Wilmar Fernandes Vieira Neto*
O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), instituído pelo Governo Federal, representa uma importante política pública de acesso à saúde, ao possibilitar à população a obtenção de medicamentos essenciais com preços subsidiados ou de forma gratuita.
No entanto, para as farmácias credenciadas, o programa também impõe rigorosas obrigações legais e operacionais, cujo descumprimento pode levar ao descredenciamento imediato do estabelecimento, além de responsabilizações administrativas, civis e, eventualmente, criminais.
Este artigo analisa os principais riscos jurídicos associados ao Programa e apresenta medidas práticas e preventivas que podem ser adotadas pelas farmácias para assegurar a conformidade regulatória e evitar penalidades.
1. O que pode motivar o descredenciamento?
O descredenciamento de farmácias do PFPB decorre, em regra, da inobservância das diretrizes estabelecidas pela Portaria de Consolidação n. 05/2017, do Ministério da Saúde, que atualmente regula o programa. Entre os principais motivos identificados em auditorias realizadas pelo Ministério da Saúde e pela Controladoria-Geral da União (CGU), destacam-se:
a) Dispensação irregular de medicamentos
A entrega de medicamentos sem apresentação de prescrição válida, com receita fora do prazo de validade ou vinculada a documentos de identidade inválidos — como CPFs de pessoas falecidas — tem sido uma das principais causas de penalização. Em 2023, mais de 200 farmácias foram descredenciadas com base em fraudes documentais ou falhas operacionais nesse sentido.
b) Inconsistência documental
A legislação do programa exige que as farmácias arquivem, por até 10 anos, todos os documentos vinculados à transação, incluindo receitas, cupons fiscais e comprovantes de identidade. A ausência ou desorganização dessa documentação compromete a rastreabilidade das vendas e caracteriza infração administrativa grave.
c) Falhas na gestão de estoque e vendas
Auditorias técnicas constatam com frequência a utilização de códigos de barras incorretos, divergência entre o estoque físico e o registrado nos sistemas e vendas realizadas fora dos padrões estabelecidos. Essas incongruências podem ser interpretadas como indícios de fraude ou de má-fé.
d) Cadastro desatualizado
Qualquer alteração nos dados cadastrais da farmácia — como mudança de endereço, de responsável técnico ou de conta bancária — deve ser imediatamente comunicada ao sistema. A omissão pode gerar bloqueio nas operações e suspensão do repasse de valores.
e) Ausência de capacitação da equipe
A falta de treinamento dos atendentes sobre as exigências do PFPB leva a erros na execução dos processos de dispensação e na operação dos sistemas informatizados, com consequências diretas na conformidade com a norma.
2. Quais os efeitos jurídicos do descredenciamento?
O descredenciamento implica a exclusão imediata da farmácia do rol de estabelecimentos aptos a operar no programa, a suspensão do acesso ao sistema eletrônico e, em muitos casos, a instauração de processo administrativo sancionador, com possível aplicação de multas, ressarcimento ao erário e responsabilização do farmacêutico responsável técnico e sócios da empresa. Em casos mais graves, quando se verifica fraude ou dolo, o Ministério da Saúde pode comunicar o fato ao Ministério Público Federal para apuração de eventual crime contra a administração pública.
Além disso, o descredenciamento pode gerar repercussões contratuais com operadoras de planos de saúde e fornecedores, comprometendo a saúde financeira e a reputação do estabelecimento comercial.
3. Como evitar o descredenciamento?
É essencial que os gestores adotem uma política interna de compliance regulatório, com as seguintes diretrizes:
•Manutenção e organização documental rigorosa, com dossiê de arquivos físicos e digitais, em ordem cronológica e de fácil acesso;
•Atualização cadastral constante junto ao sistema do programa, evitando incongruências nos dados do estabelecimento;
•Auditorias internas periódicas, com revisão de receitas, cupons fiscais, estoques e registros eletrônicos;
•Treinamento contínuo da equipe, com capacitações sobre as normas vigentes do PFPB e protocolos de atendimento;
•Uso de sistemas informatizados de gestão, com funcionalidades voltadas à validação de prescrições, controle de estoque e emissão de relatórios para auditoria;
•Assessoria jurídica especializada, para auxiliar na organização documental, interpretar normas, acompanhar processos administrativos e promover defesas técnicas, se necessário.
4. Considerações finais
Participar do Programa Farmácia Popular é, sem dúvida, um diferencial competitivo para drogarias e farmácias, ao mesmo tempo em que representa um compromisso com a política pública de acesso à saúde. No entanto, a permanência no programa depende da observância estrita dos normativos legais e da adoção de práticas gerenciais e jurídicas adequadas.
É recomendável que os estabelecimentos mantenham uma atuação preventiva, com estrutura mínima de governança, treinamento e assessoria jurídica, para garantir a segurança jurídica da operação e a continuidade da prestação de serviços à população.
*Wilmar Fernandes Vieira Neto é advogado e sócio do GMPR Advogados, bacharel em Direito pela Faculdade Quirinópolis (FAQUI), pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil, pós-graduado em Assuntos Regulatórios, especialista em Direito Administrativo Sancionador e Direito Regulatório, especialista no Mercado Farmacêutico, conselheiro do Conselho de Usuários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/GO.