Homero Silva Neto e Otávio Gomides Monteiro*
Não é novidade que o Carnaval é uma das celebrações mais aguardadas do ano, afinal, a festividade transparece uma energia contagiante, de modo a oportunizar às pessoas se reunirem e comemorarem a vida ao som de músicas animadas e ritmos pulsantes.
Um dos pontos mais emocionantes do Carnaval são os shows de artistas que acontecem em todo o país. Esses espetáculos não apenas adicionam uma camada extra de entretenimento à festa, mas, também, representam uma manifestação importante da rica diversidade cultural do Brasil. Dos palcos montados nas ruas aos grandes eventos em arenas, os shows de artistas durante o Carnaval são uma experiência única, que cativam e emocionam públicos de todas as idades e origens.
Nesse sentido, a Constituição Federal impõe como dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, prezar e incentivar a difusão dos valores artísticos-culturais[1], uma vez que o investimento na arte e na cultura estimula a criatividade e a inovação, o que beneficia não apenas o setor cultural, mas, também, o setor econômico das mais diversas regiões de nosso extenso país.
É nesse contexto, como dito, que surgem os tradicionais Carnavais promovidos por Estados e Municípios em todo o Brasil, que alegram os foliões, movimentam a economia local e aquecem o turismo.
Em razão disso, surge o questionamento: o Poder Público pode contratar, sem licitação, um artista para o Carnaval?
A resposta é positiva! De acordo com a Lei n. 14.133/2021, mais conhecida como Nova Lei de Licitações, o Poder Público, nos termos do art. 74 e seguintes, quando constatar a inviabilidade de competição entre profissionais, poderá realizar uma contratação direta com o artista, sem a necessidade de abrir um processo de disputa – justamente em razão da inviabilidade de competição.
Ocorre que, nas situações em que não se exige licitação, a Lei 14.133/2023, sem seu art.72, deixa bem clara a necessidade de instruir o processo de contratação direta com alguns documentos obrigatórios: (I) Documento de formalização da demanda; (II) Estimativa de despesa; (III) Parecer jurídico e técnico, a depender do caso; (IV) Demonstração de compatibilidade da previsão dos recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido; (V) Comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária; (VI) Razão da escolha do contratado; (VII) Justificativa do preço; e (VIII) Autorização da autoridade competente.
No caso dos artistas, a situação se torna ainda mais específica. Segundo o art. 74, II da Nova Lei de Licitações, para que a contratação se dê de forma regular, o serviço deverá ser prestado por um artista profissional consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública, diretamente ou por meio de empresário exclusivo[2].
Dessa forma, o profissional artista deverá estar inscrito na Delegacia Regional do Trabalho, bem como apresentar relevância e expressividade no seu mercado de trabalho, qual seja, o ramo musical.
A Lei 14.133/21, ainda, em seu art. 74. §2º, conceitua “empresário exclusivo” para fins de contratação direta com artista: “pessoa física ou jurídica que possua contrato, declaração, carta ou outro documento que ateste a exclusividade permanente e contínua de representação, no País ou em Estado específico, do profissional do setor artístico, afastada a possibilidade de contratação direta por inexigibilidade por meio de empresário com representação restrita a evento ou local específico”.
Caso você, leitor, se figure como um artista do ramo musical e queria celebrar um contrato com o Poder Público nesta época de Carnaval, não tenha receio. É plenamente possível, desde que acatada as cautelas devidas.
Como primeira sugestão, recomenda-se a observância quanto à justificativa do preço do contrato de serviço do artista. O preço pactuado deverá estar em equilíbrio com os praticados pelo artista em outros órgãos e entidades da Administração Pública[3], de modo que, ao ser estabelecido, deverá conter uma clara justificativa para a cobrança do valor, sob o risco de ser considerado “sobrepreço”.
Como segunda sugestão, recomenda-se a observância à demonstração de compatibilidade entre a previsão dos recursos orçamentários do Poder Público e o valor do compromisso financeiro a ser assumido, para que, assim, não haja questionamentos judiciais.
Em toda contratação com o Poder Público a Administração é obrigada a informar o valor anual total das suas despesas com determinado setor, o valor residual e o valor a ser dispendido em um bem ou serviço. A referida obrigação deverá estar de acordo com a respectiva Lei Orçamentária Anual[4].
É por intermédio desta legislação que o Município, por exemplo, planeja os gastos que serão dispendidos em um setor específico de sua administração, de modo a facilitar a gestão pública e demonstrar transparência no processo orçamentário à população.
Caso, no entanto, o valor da despesa com determinado serviço artístico se encontre fora dos limites impostos pela Lei Orçamentária Municipal, ou seja, fora do orçamento público municipal[5], a contratação de artista por ser colocada em risco[6].
É importante frisar que não cabe ao Poder Judiciário intervir na discricionariedade do gestor público em alocar as respectivas verbas disponíveis, mas é imprescindível ressaltar, também, a observância aos critérios e requisitos legais, notadamente, ao orçamento previsto e disponível.
Na hipótese, todavia, de uma contratação de artista ocorrer de forma indevida, haverá risco de cancelamento do respectivo show, o que reflete em prejuízos financeiros aos organizadores do evento e ao público, além de prejuízos para a reputação do artista e para o Município.
A observância aos parâmetros legais para fins de contratação direta, portanto, é de suma importância, uma vez que eventual contratação firmada de forma indevida, ocorrida com dolo, culpa ou erro grosseiro, culminaria na responsabilização solidária do contratado (artista) e do agende público, em caso de prejuízo causado aos cofres públicos.
Assim, atendidas todas as disposições e balizas legais, não há qualquer impedimento em contratar artista sem licitação para as folias de Carnaval.
Deixemos o povo ser feliz, afinal, como diz Bell Marques, “não me leve a mal, eu reservei o mês pra pular o meu carnaval”.
*Homero Silva Neto é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Advogado. Sócio do Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi (GMPR) Advogados. Pós-graduado em licitações e contratos administrativos pelo Instituto Goiano de Direito. Contato: homero@gmpr.com.br.
*Otávio Gomides Monteiro é graduando em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Estagiário do Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi (GMPR) Advogados. Contato: otaviomonteiro@gmpr.com.br
Referências
[1] Constituição Federal de 1988
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
[2] Lei n. 14.133/2021
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
II – contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública;
[3] Instrução Normativa 00003/2016 TCM GO
[4] Constituição Federal de 1988
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
III – orçamentos anuais.
[5] Lei n. 4.320/1964
Art. 59. O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos.
[6] Constituição Federal de 1988
Art. 167. São vedados:
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;