Dedo no gatilho

*Alan Kardec Cabral Jr.

O professor camaronês Achille Mbembe, no ensaio Necropolítica, busca compreender a política de morte no contexto contemporâneo. Nessa conjuntura, a partir de dados da realidade brasileira, em especial sobre a letalidade policial produzida pelas estruturas estatais, com justificação da ineficácia na contenção da criminalidade, permite-nos dizer que vivemos tempos necropolíticos.

De acordo com o Word Statistics 2018, o país mais violento do mundo é Honduras, com 55,5 mortes/100 mil habitantes. O Brasil está entre os 15 países com maior taxa de homicídios, com indicador de 24,7 mortes/100 mil habitantes.

Entretanto, o país passa por período de redução desses índices. De 2017 a 2018 houve 13% de mortes a menos. No primeiro semestre de 2019, reduziu-se 24% em comparação ao mesmo período de 2018.

Em Goiás, no ano de 2017, chegou-se ao pico de 42,8 mortes/100 mil habitantes, levando o estado a ocupar o 12° lugar no ranking nacional. Entrementes, em 2018, houve queda no número de mortes, com 31,47 mortes/100 mil habitantes.

Na contramão desses indicadores, porém, o número de vítimas em supostos confrontos com a polícia cresceu, em média, 20% por ano no país. 6.160 pessoas foram mortas por policiais no ano de 2018, ante 5.225 vítimas em 2017. Em 2016, 4.222 pessoas foram mortas nesses moldes. A taxa de letalidade policial perfaz 3,0 por grupo de 100 mil habitantes.

Em Goiás, não ocorre de forma diferente. Entre 2007 e 2018, houve crescimento de 1000% nas mortes por intervenção policial, totalizando 1.426 mortes no estado, nesse período. Em 2017, houve 265 mortes. Em 2018, as mortes decorrentes de supostos confrontos perfizeram 425 casos, em um salto de 60% para mais.

Por 100 mil habitantes, Goiás representa 6,1 das mortes, ostentado a 4° posição de polícia mais letal do Brasil, permanecendo atrás apenas do Rio de Janeiro (8,9), do Pará (7,2) e de Sergipe (6,3). Atualmente, a polícia goiana é responsável por 19,5% dos homicídios intencionais ocorridos no Estado.

Segundo estudos empíricos, as vítimas são em média: 76,2% pretos ou pardos, 22,6% brancos e 1,2% outros. 75% jovens, cuja média de idade é de 22 anos – sendo 10 anos a menor idade encontrada; 99,5%, homens.

Os índices de letalidade policial, dessarte, são significativos e compará-los com outros países atemoriza.

Em Honduras, país mais violento do mundo e cuja taxa de homicídio é mais que o dobro do Brasil, a taxa de letalidade policial foi de 1,2. Na África do Sul, país extremamente desigual e, também, que concentra alta taxa de homicídio – 34,0 por 100 mil habitantes –, a letalidade policial foi de 1,1 por 100 mil habitante.

Se comparamos com países desenvolvidos, a situação fica ainda esdrúxula. A polícia do Reino Unido, em 24 anos (de 1990 a 2014), disparou 55 tiros letais. Na Alemanha, em 2018, a polícia matou 11 pessoas.

Assim, a partir das reflexões acerca dos números expressivos da letalidade policial, não há como desprezar as análises de Mbembe, que nomeia esse morticínio como necropolítica, que corresponde à “soberania da força para violar a proibição de matar”.

*Alan Kardec Cabral Jr. é mestrando em Direito e Políticas Públicas (UFG); especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC); especialista em Processo Penal (Universidade de Coimbra); advogado criminalista no escritório Rogério Leal Advogados Associados.