Da inaplicabilidade do art. 413 do CC para redução da multa pela rescisão antecipada do contrato de locação de shopping

*Rafael Martinelli

Com a crise econômica que se instalou no país nos últimos anos, é crescente o número de ações ajuizadas pelos lojistas de Shoppings Center almejando a rescisão do contrato de locação com a consequente redução da multa pela rescisão antecipado, sob o subterfúgio de abusividade e desproporcionalidade.

Destarte imperioso destacar que nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação e as disposições procedimentais previstas em lei.

O contrato de locação em shopping center é atípico, motivo pelo qual a Lei de locações estabeleceu nos artigos 54[1] e 52[2] § 2º normas específicas a serem respeitadas entre lojista e empreendedores, proclamando que as relações entre eles devem ater-se às condições livremente pactuadas.

Salutar, analisar o tema da atipicidade dos Contratos de Locação em Shopping Center, conforme os ensinamentos do Doutrinador Sylvio Capanema de Souza:

Na locação comum, o fundo de comércio pertence exclusivamente ao locatário, sendo por ele criado, com seu trabalho diuturno. (…) Nos shopping centers, ao contrário, coexistem dois fundos de comércio, sendo um do locatário e outro do próprio complexo econômico, que funciona como polo de atração de clientela, mercê das facilidades que oferece e da segurança que proporciona, com áreas comuns de estacionamento, lazer, alimentação, etc”[3]

Corroborando com o referido entendimento, imperioso ressaltar que o Código Civil adotou a teoria da autonomia da vontade ou da liberdade de contratar, tendo como limitador da referida teoria a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, nos termos das exegeses dos artigos 421[4] e 422[5] do códex Cível de 2002.

Outrossim, considerando a atipicidade do contrato de locação em shopping Center, bem com o disposto no artigo 54 da Lei de Locações, o entendimento majoritário dos Tribunais Pátria é no sentido de não haver razão jurídica ou até mesmo fática para invocação de costumes ou postulados que são genericamente aplicáveis às locações não residenciais (imóveis de rua), desprezando a natureza, assim como as particularidades das relações jurídicas da locação de espaços em centros de compras do tipo shopping center, com o fito de invocar a incidência do artigo 413 do Código Civil e viabilizar a redução da multa pela rescisão antecipada do contrato de locação firmada no pacto locatício.

Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais do Estado de São Paulo e do Distrito Federal:

LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER – EXECUÇÃO – EMBARGOS – PARCIAL PROCEDÊNCIA – REFORMA PARCIAL – MULTA RESCISÓRIA QUE É DEVIDA – DIMINUIÇÃO DE CLIENTELA E INSUCESSO DO NEGÓCIO QUE SÃO INERENTES AO RISCO DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA, NÃO CONFIGURANDO MOTIVO PARA AFASTAR A MULTA POR RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO – CLÁUSULA LIVREMENTE PACTUADA PELAS PARTES – COBRANÇA QUE SE FARÁ PROPORCIONALMENTE AO PERÍODO QUE FALTAVA PARA O TÉRMINO DA LOCAÇÃO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Apelação da embargada parcialmente provida e recurso do embargante improvido. (TJSP; Apelação 1025461-09.2014.8.26.0602; Relator (a): Jayme Queiroz Lopes; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sorocaba – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/08/2017; Data de Registro: 08/08/2017) 

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER. PREVALÊNCIA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS PACTUADAS. INTELIGÊNCIA DO ART. 54 DA LEI 8.245 /91. RESCISÃO POR INADIMPLÊNCIA DO LOCATÁRIO. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. REDUÇÃO PROPORCIONAL PREVISTA EM CONTRATO. INAPLICABILIDADE DO ART. 413 DO CÓDIGO CIVIL. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REPARTIÇÃO PROPORCIONAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1- A Lei 8.245 /91, que rege os contratos de locação, dispõe no art. 54 , caput, que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”. 2- O contrato de locação fixou multa rescisória em caso de inadimplência do locatário, a ser calculada proporcionalmente ao tempo decorrido da locação. O valor cobrado reflete o tempo de existência da relação jurídica. 3- O negócio refletiu a livre manifestação da vontade das partes, capazes e profissionais com experiência necessária para avaliar os riscos e a viabilidade do negócio. A natureza de adesão do contrato não constitui, per si, ilegalidade, uma vez que a locatária teve conhecimento prévio de suas disposições, que não destoam da prática comercial desta espécie. Uma vez que a redução proporcional da multa foi disciplinada no instrumento contratual, afasta-se a aplicação do art. 413 do Código Civil, prevalecendo a livre manifestação de vontade e a força obrigatória dos contratos. 4- Verificada a sucumbência recíproca, os respectivos ônus devem ser repartidos proporcionalmente pelas partes. 5- APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. TJ-DF – 20150110818557 0024808-75.2015.8.07.0001 (TJ-DF) – publicação 03/02/2017. 

“Locação empresarial. Espaço em shopping. Pretensão de redução da multa pelo encerramento antecipado da locação. Descabimento. Negócio empresarial. Prevalência do expressamente pactuado livre e espontaneamente pelas partes e da segurança e previsibilidade jurídica, a embargada sujeita a perda de receitas e a dificuldade de relocação do espaço. No contexto, impertinência de interpretação dada pelos recorrentes a dispositivo da Lei 8.245/91. Sentença de improcedência (dos embargos do devedor) mantida, nos termos do art. 252 do RIRTJSP. Apelação desprovida. APELAÇÃO nº 4026851-64.2013.8.26.0224 – 23/06/2016 

“EMENTA: Locação de imóvel comercial Shopping center Ação consignatória de alugueres e de chaves Sentença de parcial procedência Recurso de ambas as partes Manutenção do julgado – Necessidade Arguição da locatária/autora no sentido de que a multa contratual pela rescisão antecipada do pacto é abusiva, ao que deve ser mitigada Descabimento Contrato com prazo determinado de 60 meses Locatária que cumpriu 22 meses Estipulação contratual no sentido de que a multa será de 50% sobre os alugueres que venceriam depois da rescisão da avença AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE – Alegação da inquilina de que deve lhe ser restituído o saldo remanescente de luvas Inconsistência jurídica Indevida restituição da res sperata Recurso da locadora/ré visando impedir a retirada dos equipamentos que foram incorporados ao imóvel, em razão de cláusula expressa de perda do direito às benfeitorias Correto afastamento Bens removíveis que não se enquadram no conceito de benfeitoria e cuja retirada não causa danos ao imóvel (coifa, lavadora de coifa e respectiva caixa de ventilação). Apelos da autora e da ré desprovidos. Apelação nº 1028011-91.2014.8.26.0564 – 26/10/2016. 

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM DANOS MORAIS. MULTA CONTRATUAL. RESCISÃO ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. MANUTENÇÃO. ART. 4º DA LEI DE LOCAÇÕES. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. NÃO ACATAMENTO. AVENÇA DE LIVRE PACTUAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PACTA SUNT SERVANDA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE EFETIVO DANO MORAL. DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA. MEDIDA QUE SE IMPÓE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso inominado desprovido. Diante do exposto, resolve esta 1ª Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos exatos termos do vot (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0000931-52.2014.8.16.0014/0 – Londrina – Rel.: Cíntia Graeff de Luca – – J. 28.09.2015) (TJ-PR – RI: 000093152201481600140 PR 0000931-52.2014.8.16.0014/0 (Acórdão), Relator: Cíntia Graeff de Luca, Data de Julgamento: 28/09/2015,  1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 01/10/2015)

 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Locação em Shopping Center. Tutela de urgência objetivando a suspensão da exigibilidade da multa pela resilição do Contrato. Descabimento. Ausência de manifesta abusividade. Multa expressamente pactuada pelas Partes. Condições contratuais que devem prevalecer nesta sede de cognição sumária diante das peculiaridades da relação jurídica. Inteligência do art. 54 da Lei de Locações. Requisitos autorizadores da medida pleiteada não vislumbrados. Recurso desprovido”. (Relator(a): Milton Carvalho; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 05/05/2017; Data de registro: 05/05/2017)

 

Infere-se dos julgados que o contrato de locação em Shopping Center é classificado como atípico, sendo certo que as suas disposições deverão observar as normas dos artigos 425[6] do Código Civil e artigo 54 da Lei de Locação.[7]

 

Assim, considerando a legislação aplicável ao caso e o entendimento da jurisprudência, a cobrança da multa rescisória prevista no contrato de locação ou nas normas gerais que é documento integrante do instrumento locatício é perfeitamente possível, sendo indispensável a aplicação da proporcionalidade prevista no artigo 4ª da lei de locação.[8]

 

Ao final, no que tange as ações que almejam a redução da multa pela rescisão antecipada do contrato de locação consubstanciadas no teor do artigo 413 do Código Civil, vale ressaltar que o referido dispositivo não é aplicável as relações locatícias de shopping Centers, uma vez que o próprio artigo estabelece que a eventual redução deverá observar a natureza e a finalidade do negócio.[9]

Desta forma, sendo o contrato de locação em shoppings Center classificado como atípico, as controvérsias inerentes ao valor da multa pela rescisão antecipada do contrato de locação deverão ser dirimidas com base nos artigos 425 do Código Civil, 4ª e 54 da Lei de Locações.

*Rafael Martinelli é advogado  do PLC Advogados – Portela, Lima & Colen

[1] Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: § 2º Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.

[2]

[3]   . (Souza, Sylvio Capanema de. Da Locação do Imóvel Urbano, Rio de Janeiro, Forense, 2001, nº 257, p. 361-362.).

[4] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

[5] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[7] Art. 425 É lícito às Partes estipular Contratos atípicos, observadas as Normas gerais fixadas neste Código. 

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

[8] Art. 4o – Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

[9]  Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.