Crise no agro: a recuperação judicial é a solução?

Leandro Marmo*

O agronegócio brasileiro enfrenta uma crise sem precedentes, marcada por uma combinação devastadora de fatores econômicos e ambientais. Em 2024, a safra de soja e milho está projetada para ter o maior prejuízo em 25 anos, de acordo com Mauro Osaki, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Além disso, o aumento nos custos de produção e a queda nos preços das commodities apertaram ainda mais as margens de lucro, enquanto fenômenos climáticos como o El Niño intensificaram as adversidades. Dados da Serasa Experian de 2023 indicaram que mais de 1,5 milhão de produtores rurais estavam negativados, e acredita-se que mais de 2 milhões estejam em situação crítica, sem obter renda suficiente para pagarem todas as suas contas.

No setor específico da pecuária leiteira, a situação é igualmente grave. Conforme dados da Scot Consultoria e publicações da revista Agroanalysis da FGV, os produtores de leite viram seus prejuízos aumentarem de 11% em 2022 para 14% em 2023. Simultaneamente, a soja e o milho, pilares da produção agrícola, geraram um lucro marginal de apenas 1,45%. Esta combinação de baixos rendimentos e alta volatilidade torna a situação financeira insustentável para muitos.

Exemplificando a gravidade da situação, Paulo Henrique de Souza Lino, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Pompéu, em Minas Gerais, descreve um cenário “caótico”. A região, uma das maiores bacias leiteiras do estado, viu seu faturamento ser reduzido pela metade, forçando muitos produtores a venderem animais para abate simplesmente para cobrir custos operacionais e sustentar suas famílias.

Alta nos pedidos de recuperação judicial

Os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais que atuam como pessoas físicas tiveram um aumento de 535% em 2023. Apesar desta alta significativa, será que esse número realmente representa um uso indiscriminado desse recurso no setor?

Apesar das advertências do Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, sobre a necessidade de “coibir as recuperações judiciais indiscriminadas e a onda predatória de RJs”, a realidade mostra uma imagem diferente. De um total de 3,5 milhões de produtores rurais endividados, podemos considerar que a RJ seria a alternativa adequada e necessária para a reestruturação financeira de ao menos 30 mil produtores, todavia, apenas 127 recorreram à recuperação judicial em 2023, o que representa meros 0,4%. Este dado sugere que a recuperação judicial é uma opção pouco acessada e frequentemente vista como um último recurso.

No cenário atual, a recuperação judicial emerge como um recurso crítico para produtores à beira do colapso financeiro. Para muitos, a escolha é entre utilizar este mecanismo legal para tentar se reerguer ao invés de abandonar completamente a atividade.

A necessidade de uma perspectiva equilibrada sobre a recuperação judicial é imperativa. É fundamental reconhecer sua importância como uma ferramenta legal essencial para a sustentabilidade do setor agrícola, oferecendo uma segunda chance para negócios enfrentando adversidades temporárias. Este mecanismo não apenas ajuda a estabilizar a economia rural, mas também garante a continuidade da produção agrícola, que é vital para a economia do país.

*Leandro Marmo é advogado especialista em direito do Agronegócio, sócio-CEO da banca João Domingos Advogados.