Covid-19 e o licenciamento ambiental

*Victoria Branquinho

A pandemia do COVID-19 e suas consequências diversas trouxeram vários desafios, não só para o Brasil, mas para o mundo, sendo notável a necessidade de adaptação da população para enfrentamento de tal situação jamais vivida. Como exemplo disso, conforme se infere no portal da ALEGO, os deputados estaduais aprovaram em segunda fase de discussão e votação, na sessão remota do dia 16 de abril de 2020, o projeto de lei nº 1758/20 que institui o Regime Extraordinário de Licenciamento Ambiental (REL), o qual será encaminhado à Governadoria para sanção do governador Ronaldo Caiado (DEM).

O projeto consiste no Regime Extraordinário de Licenciamento Ambiental — REL como medida de enfrentamento da situação extrema de âmbito econômico no Estado de Goiás, sendo sua eficácia limitada ao período do estado de calamidade pública, estabelecido por meio do Decreto Legislativo n° 501 de 25 de março de 2020, e das normas posteriores editadas sob o mesmo fundamento, conforme dispõe o art. 2° do projeto. Ainda, o texto no seu art. 6º prevê que as atividades ou empreendimentos deverão se instalar e entrar em operação nos exercícios de 2020 e 2021, sob pena de perda da eficácia da licença concedida.

O objetivo, segundo artigo 1º desse projeto, é a promoção de ações massivas de desburocratização da máquina estatal nas ações que envolvam demandas ambientais no exercício de autorizações, outorgas e licenças. Assim, o órgão ambiental estadual eliminaria/reduziria massivamente exigências burocráticas no âmbito dos pedidos de licenciamento ambiental que aderirem ao REL, inclusive no que diz respeito a alvarás municipais, certidões de uso do solo, anuência de órgãos intervenientes, dentre outros que não se restrinjam exclusivamente ao tratamento do impacto ambiental das atividades.

Ainda, por meio de procedimento preordenado, em fase única, formalizado em meio eletrônico junto ao órgão ambiental estadual, o regime supracitado aplicar-se-ia aos empreendimentos de classe 1 a 5, conforme definições constantes do art. 23 da Lei n° 20.694, de 26 de dezembro de 2019. São esses os de pequeno porte e pequeno potencial poluidor (classe 1), médio porte e pequeno potencial poluidor ou pequeno porte e médio potencial poluidor (classe 2), médio porte e médio potencial poluidor (classe 3), grande porte e pequeno potencial poluidor ou pequeno porte e alto potencial poluidor (classe 4) e grande porte e médio potencial poluidor ou médio porte e alto potencial poluidor (classe 5), não sendo aplicável no âmbito da competência municipal para o licenciamento ambiental nem para empreendimentos de significativo impacto ambiental. Cumpre esclarecer que , segundo resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), os empreendimentos de significativo impacto ambiental são aqueles em que se exige o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, EIA/RIMA, ou seja, loteamentos acima de 100 hectares – 1.000.000,00 m2.

O órgão ambiental estadual promoverá a definição prévia de obrigações, condicionantes, prazo de validade de licenças, documentos e responsabilidade técnica por tipologia e classe de empreendimento. Todos esses requisitos deverão ser atendidos pelo empreendedor como condições preordenadas pelo órgão ambiental, para a obtenção da Licença Ambiental Extraordinária – LAE. Essa será concedida por meio de procedimento simplificado, em que as condições para instalação e operação do empreendimento ou atividade estejam preordenadas pelo órgão ambiental estadual, em fase única. O órgão ambiental estadual deverá vistoriar, em regime de pós licença, todos os empreendimentos licenciados por meio da LAE, podendo utilizar-se de tecnologias disponíveis nas situações em que essas ferramentas sejam úteis.

Defende-se a inexistência de óbice constitucional ou legal para a aprovação do projeto de lei nº 1758/20, inclusive no que se refere à iniciativa legislativa. Essa defesa baseia-se no fato de que cabe à União estabelecer as normas gerais nos casos e aos Estados a atribuição de complementar as lacunas da normatização federal, consideradas as situações regionais específicas, nos termos do art. 24, incisos VI e VIII e §§ 1º, 2º e 3º da Constituição Federal, ou seja, no que se trata de conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, bem como a responsabilidade por dano ao meio ambiente.

Salienta-se que o REL pode ser pautado na Lei da Liberdade Econômica n. 13.874/19 a qual traz no seu art. 3º, I, a possibilidade de isenção de atos públicos de liberação por parte da Administração Pública, possibilitando, assim, a dispensa desses para os empreendimentos considerados de baixo risco. Ademais, o art. 9º dessa lei inseriu o § 5º da Lei 11.598/2007 a hipótese de dispensa de atos administrativos em razão de classificação por ato do Poder Executivo Federal, quando tão somente bastará a autodeclaração de enquadramento.

A grande questão em torno do REL é o relevante papel desempenhado pelas empresas na economia e no meio social e o relevante papel da desburocratização nos procedimentos de Licenciamento Ambiental. Embora não exista um indicador específico, é possível constatar a precariedade do Brasil, no quesito obtenção de licenças e permissões, por meio do relatório de classificação do the world bank, no qual o Brasil encontra-se na 170ª colocação. Isso porque recorrentes vezes em que se exige o cumprimento de obrigações que não guardam qualquer relação com o objeto do processo administrativo em questão, logo, têm-se diversos problemas de ordem técnica, legal e institucional no processo de licenciamento ambiental que acarretam grandes debates sobre o excesso de burocracia porventura envolvido e sua relação para a real consecução da sustentabilidade do desenvolvimento econômico.

Por fim, até mesmo nos empreendimentos que exigem o EIA/RIMA, que por sinal não se questiona a razoabilidade e exigência constitucional, vem sendo desvirtuada a sua exigência com o passar do tempo por meio de inúmeras regras burocráticas, as quais nem sempre são resultantes de efetiva preservação do meio ambiente e sim um entrave à atividade econômica, a exemplo das compensações ambientais exigidas por meio pecuniário.

Assim, a grande máxima consiste que a pandemia trouxe um novo tempo e com ele novos desafios, definições e criações de novas maneiras, sendo certo que a situação vivenciada exige mudanças e se bem aproveitadas resultam na evolução, fazendo-se necessária a busca pelo Estado da desburocratização do licenciamento ambiental, é claro, sempre restrito à manutenção da qualidade do controle ambiental.

*Victoria Branquinho é advogada atuante no ramo imobiliário e cível, prestando serviços na seara consultiva e contenciosa de incorporadoras, construtoras e imobiliárias. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Atame. Pós-Graduanda em Direito Condominial pela DALMASS. Membra da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO e Comissão Especial de Arbitragem. Está no Instagram como @vicbranquinho e @papodeimobiliario.