Covid-19 – Caso fortuito para justificar possível atraso das obras

*Ellen Quétsia Alves Cruz

Em meio a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), vivemos em um tempo de insegurança, com a publicação de diversos decretos, leis e medidas provisórias em uma velocidade nunca vista, alterando cenários que já eram incertos.

Não há como negar os impactos causados pelo novo coronavírus na sociedade por um todo, o que impacta nas atividades econômicas, atividades essas que são ordinariamente objeto de relações contratuais, relações que são formadas por uma cadeia de serviço. Na área imobiliária, falamos de fornecedores, construtores, e consumidores que serão afetados diretamente, o que impacta nos caixas das incorporadoras e construtoras e consequentemente no calendário de obras anteriormente planejados.

Com esse cenário, inicia-se uma discussão a respeito da flexibilização da obrigação do vendedor quanto ao prazo para entrega das obras em decorrência da suspensão das atividades da construção civil por alguns decretos publicados em alguns estados em virtude da pandemia do Covid-19.

Sobre a perspectiva do Incorporador, surge a dúvida de como evitar as consequências previstas na Lei 13.786/18 de contratos já regidos por essa lei, ou das sanções já firmadas pelo STJ como inversão da cláusula penal anteriormente firmadas apenas em desfavor do consumidor, e indenização por danos morais.

Para casos como esse, nosso ordenamento jurídico prevê algumas regras que permitem a defesa do ofensor, conhecidas como excludentes de responsabilidades. Dentro dessas excludentes encontramos a possibilidade de aplicação do caso fortuito como forma de isentar o incorporador da responsabilidade de indenizar.

O caso fortuito, previsto no artigo 393 do Código Civil, é um evento proveniente de ato humano, imprevisível ou inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação. O saudoso Doutrinador Clóvis de Beviláqua destaca que força maior é proveniente de ‘fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer. Não é, porém, a imprevisibilidade que deve, principalmente, caracterizar o caso fortuito, e, sim, a inevitabilidade. E, porque a força maior também é inevitável, juridicamente se assimilam estas duas causas de irresponsabilidade’ .

Importante destacar que para que as excludentes sejam aplicadas, necessário se faz que três requisitos sejam preenchidos, que o fato necessário seja o causador do dano, que o fato seja inevitável e que haja a imprevisibilidade para o agente. Requisitos esses claramente preenchidos pelo Covid-19.

Geralmente, os contratos firmados entre os incorporadores e adquirentes das unidades imobiliárias, além do prazo de 180 dias posterior à previsão inicial da entrega da obra, traz em suas cláusulas a possibilidade de suspensão das obras em virtude de caso fortuito ou força maior, enquanto o fato gerador durar, iniciando-se novamente a contagem do dia em que foi suspenso.

Inevitavelmente, além das previsões expressas no Código Civil brasileiro, será necessária a busca por teorias para justificar e fundamentar de melhor forma os atrasos da obra que sejam decorrentes de medidas tomadas durante a pandemia.

Dentre essas possíveis teorias a serem utilizadas, podemos citar a teoria da imprevisão estabelecida nos artigos 478 a 480 do Código Civil, que justifica a resolução ou a revisão de um contrato caso ocorra um acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a sua base econômica, impondo a uma das partes obrigação excessivamente onerosa.

Em um primeiro momento, ao se ler o conceito da teoria da imprevisão, é inevitável que o pensamento vaguei diretamente ao consumidor. Entretanto, após uma análise aprofundada e diante do impacto sofrido no caixa das incorporações, surge a oportunidade da aplicação da referida teoria para defesa do agente devedor, no caso as incorporadoras, construtoras ou empreiteiras, tendo em vista o impacto financeiro que sofrerão em razão de fato que foge de seu controle de planejamento, podendo ser vislumbrada a hipótese de obrigações excessivamente onerosas para serem adimplidas diante dos novos fatos.

Antes de tudo, no cenário atual, recomenda-se mais do que nunca o uso dos princípios basilares das relações contratuais, a transparência, a publicidade e a boa-fé. De início, antes que se pense em aditamento de contratos, faz-se necessário a elaboração de um comunicado ao cliente informando acerca dos imprevistos e as possíveis alterações no calendário, para que a relação das partes se fortaleça.

*Ellen Quétsia Alves Cruz, advogada, atuante no consultivo e contencioso de incorporadoras e construtoras. Pós graduada em Direito Civil e Processo Civil. Pós graduanda em Direito Condominial.