Carnaval tributário: sem inovação, não é possível enfrentar a burocracia fiscal brasileira

Victoria Sanchez*

Quando Alfredo Augusto Becker cunhou a expressão “carnaval tributário”, o célebre jurista conseguiu definir com rara clareza a complexidade fiscal que, ainda hoje, traz desafios expressivos para a gestão de negócios no país e impacta, inclusive, na competitividade de nossas empresas e na atração de investimentos para o Brasil.

Para termos uma ideia objetiva deste cenário, o relatório Doing Business do Banco Mundial já alertou que as organizações ativas em território nacional gastam, em média, quase dez vezes mais tempo apenas para calcular e pagar impostos e obrigações, no comparativo com países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

E esse cenário não se explica por acaso: desde que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, foram criadas mais de 320 mil normas tributárias no país, fato que traz instabilidade jurídica e, ato contínuo, não se limita ao tempo gasto; favorecendo o surgimento de erros, como pagamentos de tributos a maior, e inconsistências nas declarações fiscais que, por sua vez, podem resultar em penalidades, aumentando o risco de não conformidade e gerando custos muitas vezes proibitivos para as empresas.

Fato é que, como sabemos, processos que incluem desde a emissão de notas fiscais eletrônicas (NF-e) e o envio de informações fiscais até o cálculo de impostos e saneamento de informações cadastrais são processos que exigem um alto grau de precisão, equivalente ou superior a inteligência artificial.

E esse cenário, é importante frisar, deve continuar exigente mesmo com a promessa de simplificação da Reforma Tributária, sobretudo quando consideramos seu período de transição longo que, na verdade, poderá acrescentar camadas extras de complexidade ao processo de gestão fiscal nas empresas.

É nesse sentido, que a automação se coloca não só como uma via que facilita a jornada de adaptação das empresas à nova realidade tributária do país, mas também se torna uma ferramenta crítica para o cumprimento contínuo das obrigações, minimizando riscos e aumentando a eficiência.

Analisando mais de perto…

Duas das grandes dores dos contribuintes em meio à complexidade tributária é ter tranquilidade no momento atual de Reforma Tributária e conseguir garantir uma classificação fiscal adequada, avaliando se o enquadramento das mercadorias estão sujeiras à regimes específicos, por exemplo.

Quanto cenário de classificação fiscal, a quantidade de códigos e regulamentos estão em constante atualização e isso exige que as empresas estejam sempre atualizadas para evitar erros e levar multas e penalidades. Além disso, a consistência na aplicação dos códigos fiscais é mais uma barreira, visto que geram muitas interpretações e integrá-las não é um processo fácil e preciso se considerarmos a falta de clareza e de suporte técnico.

Já quando pensamos no cenário da Reforma, um projeto que visa adequar um novo modelo de impostos e gerar expansão da economia nacional a partir da simplificação da carga tributária, temos muitas nuances desafiantes. A começar pela mudança da estrutura do CNPJ, que comportará caracteres alfanuméricos a partir de 2026, essa mudança demandará das empresas uma revisão de seus processos e sistemas para atualizar a base cadastral conforme a Lei. Em paralelo, a substituição dos impostos por apenas 2, o IBS e CBS, que juntos formam o IVA Dual, além do IS (imposto seletivo).

Se analisarmos os impactos no fluxo de caixa, por exemplo, temos uma visão melhor: com a chegada da Reforma e a unificação dos tributos através do IVA Dual, as vendas precisam ter um preço líquido sem o IVA para depois o IVA ser destacado por fora, no documento fiscal, concentrando um percentual superior do que é aplicado atualmente. A consequência é clara: você aumenta o seu preço de venda, tornando o produto mais caro para o seu cliente.

E se olharmos os processos antecedentes, de ter uma base de dados atualizada e integrada tanto com a base fiscal legal, ou seja, de onde as regras oficiais são atualizadas e servem de apoio para revisão de contratos com fornecedores, quanto com os sistemas das empresas, entendemos a importância do dinamismo e da inteligência para operar os documentos fiscal em uma nova base de dados tributários vindos da Reforma.

O papel da inovação

Nesse contexto de desafio na transição de sistemas fiscais, a integração dos departamentos tributários com novas tecnologias surge como uma solução indispensável para a gestão fiscal eficiente e alinhada às necessidades de compliance do ambiente de negócios brasileiro.

Por meio, por exemplo, de inovações no mercado de APIs, é possível acelerar a jornada de digitalização das áreas fiscais, permitindo que as empresas otimizem a comunicação com o Fisco, o cálculo de impostos e o cumprimento de obrigações de modo mais célere, direcionando ainda o esforço das lideranças do setor para a tomada de decisões estratégicas.

Nessa corrida tecnológica, a inovação, em outras palavras, é indispensável para o enfrentamento da burocracia tributária brasileira, ao mesmo tempo em que apoia as empresas em sua conformidade com as novas exigências previstas na Emenda Constitucional nº 132.

É possível afirmar ainda que as APIs transformarão a forma como as empresas interagem, atualmente, com tecnologias fiscais. Isso porque elas permitem que diferentes sistemas e softwares se comuniquem, automatizando etapas e trazendo mais eficiência para a transformação digital das empresas.

Como exemplo, podemos imaginar que as empresas podem se conectar diretamente com Fisco, para emissão de NF-e, através de soluções de APIs, garantindo, dentre outros pontos, que as informações transmitidas estejam sempre atualizadas e em conformidade com as novas normas em vigência no país, sem contar sua possível integração direta com plataformas de marketplace e e-commerce, simplificando a gestão tributária para um comércio virtual que não para de se expandir.

Além disso, o Fisco exige que para a emissão de notas fiscais eletrônicas, os dados do CNPJ estejam de acordo com a Receita Federal. Nesse ponto é que a consulta de dados de CNPJ por API se torna um recurso imprescindível para que os contribuintes atualizem seu banco de dados, possam estar regulares e evitando fraudes como CNPJ “frios”.

A automação da emissão e do controle desses documentos assegura que os documentos fiscais são emitidos com base em regras e critérios atualizados para atribuir a determinação de imposto correta, e, dessa forma, a NF passa a ser a protagonista em uma confissão de dívida, ou seja, um respaldo para os contribuintes em sua conformidade.

Com tudo isso, é possível afirmar que, para vencer a burocracia tributária do país e garantir diferenciais competitivos relacionados a uma maior segurança, precisão e capacidade estratégica em tempos de Reforma, a tecnologia é mais do que uma aliada: ela é uma ferramenta vital para empresas que querem crescer com segurança fiscal.

*Victoria Sanchez é Chief Product Officer da NFE.io