Ativismo Judicial: Reflexão sobre a atuação do Judiciário na nova perspectiva constitucional brasileira

advogado victor hugo de castro 2O modelo atual de Estado social-democrático objetiva satisfazer os anseios da população com base na intervenção, utilizando como mecanismo de concretização a função legislativa e executiva.

Em meio a este estado intervencionista,  a tarefa do intérprete da lei é de grande relevância no desenvolvimento da ciência jurídica e do estado democrático de direito. Quando se trata do julgamento e análise de casos concretos, cabe ao magistrado exercer o controle dessa intervenção e até mesmo a sua real efetivação, que muitas vezes não se transpõe do texto positivado para o plano fático.

Quando o Poder Judiciário deixa a neutralidade e torna-se protagonista do processo de positivação do direito, as decisões judiciais tomadas nesse contexto são denominadas por muitos autores como o “fenômeno” do ativismo judicial.

A ocorrência deste fenômeno deve-se a crise institucional vivida pelas máquinas administrativa e legislativa, aliada ao descrédito trajado por seus representantes, que trazem consigo o estigma dos gastos excessivos, da morosidade e dos escândalos de corrupção diários que envolvem a sua atuação.

Nessa conjuntura, há de se observar o papel dos juízes no enredo constitucional atual, que por estarem em contato com o caso concreto, estão mais próximos da realidade do cidadão do que o próprio Legislador, este que tem como principal função criar e atualizar leis em ritmo equivalente ao desenvolvimento da sociedade.

Recentemente, um precedente do Supremo Tribunal Federal exemplifica a interpretação judicial “ativa” como ferramenta de atualização legal, antecipando-se à atuação do Legislador e objetivando evitar eventual injustiça que seria atribuída ao caso concreto com a aplicação literal da norma.
Na decisão publicada no informativo nº 777 do Supremo Tribunal Federal, proferida na Ordem de Extradição nº 893.2015, a 2ª turma acolheu questão de ordem suscitada pelo Ministro Gilmar Mendes.

No caso, o extraditando fora condenado no Brasil à pena unificada de 32 anos, um mês e 20 dias de reclusão, pelos crimes de homicídio, lavagem de dinheiro e uso de documento falso, já tendo sido cumpridos cerca de 11 anos e três meses em prisão preventiva para fins de extradição.

Deferida a extradição instrutória, fundada em acusações da prática de crimes patrimoniais não violentos, aguardar-se-ia cumprimento de pena privativa de liberdade imposta no Brasil para a sua execução.

Consoante o disposto da Lei 6.815/80, a prisão para fins de extradição deve ser cumprida em regime análogo ao fechado, por tratar-se de prisão processual, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar ou a prisão albergue. Conforme a redação dada ao artigo 89 desta mesma lei, o estrangeiro condenado por crime cuja pena cominada seja privativa de liberdade só poderia ter efetivada sua extradição após a conclusão do processo, ou após o cumprimento da sanção nele imposta.

Com o propósito de harmonizar a prisão preventiva com a progressão de regime e o princípio da individualização da pena, o Ministro Gilmar Mendes firmou-se em precedentes da Corte para determinar que fossem concedidos ao réu benefícios próprios do regime semiaberto, mesmo em contrariedade ao disposto na legislação infraconstitucional.

Em linhas sucintas, o Ministro se pronunciou asseverando que “na hipótese dos autos, a prisão para extradição deveria ser adaptada ao regime semiaberto. Com isso, o extraditando poderia gozar dos benefícios compatíveis com esse regime, como as saídas temporárias e o trabalho externo. Contudo, essa decisão não impediria o juízo da execução de prosseguir na fiscalização disciplinar do condenado e, se fosse o caso, regredir o regime prisional”.

Nesse contexto, a postura do Ministro objetivou adequar a redação de um dispositivo legal anterior à Constituição brasileira, à regras reconhecidas atualmente como direitos próprios do indivíduo submetido à execução penal no Brasil, como a individualização da pena. Mesmo tratando-se de estrangeiro, este encontra amparo no caput do artigo 5º da Constituição Federal, além de outros Tratados internacionais de direito humanos dos quais o Brasil é signatário. Assim, ao reclamar a efetivação de um direito constitucional, o cidadão postula por uma decisão que de fato irá transferi-lo do plano positivo para o plano fático.

Portanto, conclui-se que a nova perspectiva constitucional no direito brasileiro é um processo importante para a concretização dos princípios e dispositivos constitucionais, e que o ativismo judicial é uma crescente tendência nas sociedades de democracia em desenvolvimento. Este fenômeno, apesar de importante em uma crise decorrente de um Legislativo omisso, não deve ser permanente, pois o que se busca em uma sociedade é uma Democracia saudável e equilibrada, em que coexista um Legislativo atuante e um Judiciário vigilante.

*Victor Hugo de Castro é advogado no escritório Dias, Castro, Crosué & Oliveira Advogados Associados S/S e atua nas áreas Cível, Criminal, Trabalhista e Previdenciária.