A dívida social com os trabalhadores domésticos

Edson VerasA lei do empregado doméstico, com diretrizes específicas para esses trabalhadores, entrou em vigor no ano de 1973. Enquanto isso, desde 1943, ou seja, cerca de 30 anos antes, todos os demais trabalhadores já tinham a CLT a lhes beneficiar e os direitos previstos na lei dos empregados domésticos nem de longe se comparavam aos previstos na CLT. Em 1988, a Constituição Federal contemplou os trabalhadores brasileiros com um extenso rol de direitos e, mais uma vez, um parágrafo constitucional excluiu os empregados domésticos da maioria desses direitos.

A legislação aplicável aos empregados domésticos ganhou alguns dispositivos, nos últimos anos, com pontuais novos benefícios legais, entretanto, quase sempre mantendo limitações, bastando lembrar que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passou a contemplar os trabalhadores domésticos, todavia, com faculdade de o empregador decidir conceder, ou não, tal direito ao seu empregado doméstico.

O FGTS facultativo me faz lembrar o tal do ponto facultativo, normalmente aplicado em “feriados prolongados” de servidores públicos e que de facultativo não tem nada. Experimente buscar atendimento numa repartição pública em dia de ponto facultativo. De forma parecida, uma minoria quase insignificante de trabalhadores domésticos contam com a decisão de seus empregadores em depositar FGTS.

Foram necessários mais de 25 anos para que uma Emenda Constitucional tivesse finalizada a sua tramitação, não para igualar o direito dos trabalhadores domésticos aos direitos dos demais trabalhadores, mas somente para aproximar tais direitos. Promulgada a Emenda Constitucional, mediante muita comemoração, iniciou-se uma longa espera para a regulamentação desses direitos e, após mais de dois anos, referidos direitos ainda não estão em vigor, encontrando-se em fase final de aprovação no Congresso Nacional. Curioso, para mim, é a tônica dessa regulamentação parecer ter seu foco centralizado muito mais na busca de condições para os empregadores domésticos, do que na efetividade desses direitos aos empregados domésticos.

Analisando todo esse contexto, minha opinião pessoal é que os empregados domésticos parecem carregar a triste sina dos desventurados. Dentro de meu espírito igualitário, imagino que os trabalhadores domésticos, desde o princípio, deveriam ter os mesmos direitos de todos os demais trabalhadores. Opondo a minha opinião, a circunstância do empregador doméstico, sendo uma família e não tendo uma finalidade econômica, ser motivo para que seus empregados domésticos tenham seus direitos limitados.

Da mesma forma o raciocínio não deveria, por exemplo, se aplicar a empregados de microempresas? Atualmente a legislação trabalhista contida na CLT não faz distinção nem limitação de direitos entre os trabalhadores de grandes empresas multinacionais ou de pequenas empresas de fundo de quintal, onde o proprietário divide o trabalho com um ou dois empregados. Com esse artigo proponho uma reflexão social: é justo distinguir direito de trabalhadores domésticos de outros trabalhadores?

Para mim os trabalhadores domésticos continuam preteridos historicamente, ainda que os direitos resultantes da Emenda Constitucional representem avanço, o que não se pode negar, especialmente em face da limitação que existia, mas o avanço não resultou em plenitude na igualdade de direitos com os demais trabalhadores e nem resgatou plenamente a dívida social com tais trabalhadores.

Eu me sentiria socialmente muito mais realizado se ao doméstico fosse resgatada essa dívida social histórica em sua plenitude, resgatando décadas de esquecimento, e que o resgate não fosse somente parcial. Mas não vou deixar de comemorar a futura expansão que terão os direitos dos trabalhadores domésticos, com a finalização do processo legislativo de regulamentação de seus direitos, mas será uma comemoração contida, meio envergonhada. A natureza é gradativa e quem sabe a igualdade que creio ser o melhor ponto na convergência de direitos entre domésticos e demais trabalhadores seja um próximo passo.

Edson Veras é advogado trabalhista