Assédio e perseguição, inclusive on-line, agora é crime

*Viviane de Araújo Porto

A perseguição reiterada ou assédio obsessivo de uma pessoa é denominada stalking. Quando ocorre no meio digital é chamada de cyberstalking, ato este que é realizado por muitos indivíduos, através de perseguição usando a internet, seja em redes sociais, com a propagação de ofensas e xingamentos, seja com envio de e-mails e mensagens de assédio ou com conteúdo que lhes cause medo ou inquietação, disseminação de fatos mentirosos sobre a vítima, dentre outros.

As motivações da perseguição são inúmeras como o término não superado de um relacionamento, a fixação por alguém que foi rejeitado, abandono afetivo, inveja, dentre outros, e que causa na vítima os mais variados transtornos psicológicos e mentais.

O assediador, para ter êxito na sua conduta criminosa, precisa de informações sobre sua vítima, e informação é o que não faltam no ambiente virtual, haja vista que grande parte das pessoas faz uma superexposição de sua rotina e hábitos nas redes sociais, e com isso o perseguidor começa a identificar os amigos, familiares da vítima, locais que frequenta, monitorando incessantemente os rastros on-line da vítima para lhe causar constrangimento, medo, proferir ofensas, espalhar mentiras.

Redes sociais como o Instagram, percebendo que algumas de suas ferramentas poderiam ser usadas para a perseguição obsessiva, acabou desabilitando a função “seguindo”, que permitia visualizar as ações da pessoa que o usuário seguia na rede, como fotos curtidas, comentários feitos e pessoas que começavam a seguir.

Segundo pesquisa do Centro Nacional para vítimas de crimes dos Estados Unidos (The National Center for Victms of Crimes) 7,5 milhões de pessoas são perseguidas por ano, sendo uma a cada seis mulheres, e um a cada dezenove homens (fonte StalkingResource Center 2015).

Em vários países, como França, Itália, Alemanha, o ato de se realizar o “stalking” é um crime. A legislação brasileira ainda não possuía o tipo penal específico para o stalking (perseguição), muito menos para o cyberstalking, sendo o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais o tipo penal mais próximo e está assim descrito: “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou motivo reprovável”, cuja pena é de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Assim, em razão da necessidade de regulamentação e tipificação do crime de perseguição obsessiva por qualquer meio, foi aprovado no Senado o substitutivo do Projeto de Lei n. 1.369/2019, que prevê o crime de perseguição, a ser incluído no artigo 147-A do Código Penal, e revoga o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais. O projeto foi votado e aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente de República, se tornando a Lei n.º 14.132, de 31 de março de 2021, que entrou em vigor na data de sua publicação.

A referida lei acrescentou ao Código Penal o artigo 147-A, que tem a seguinte redação:

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Importante destacar que a possibilidade da perseguição ocorrer em qualquer meio, como dispôs a lei, é o que possibilita enquadrar o cyberstalking no tipo penal.

Outro ponto que merece ser destacado na Lei 14.131/2021 é o agravamento da pena em 50% se o crime for cometido contra criança, adolescente, idoso, contra mulher por razão da condição de sexo feminino, ou mediante concurso de duas ou mais pessoas.

A lei vem suprir lacuna na legislação penal e se mostra importante e necessária, haja vista a perseguição reiterada ser uma conduta reprovável grave, que resulta em sentimento de medo, inquietação ou o comprometimento da liberdade de ação ou de opinião da vítima, sendo uma violência psicológica que precisa ser combatida. Além disso, é possível que com a tipificação da perseguição reiterada, em qualquer meio, delitos mais graves sejam evitados, não evoluindo a conduta criminosa iniciada no ambiente virtual para crimes típicos como lesão corporal ou homicídio.

A interação on-line e exposição de dados e informações pessoais é realizada praticamente por todas as pessoas, em maior ou menor intensidade, contudo, é preciso fazer uso de redes sociais de maneira consciente. Não marcar locais nas postagens e não deixar que os ambientes cotidianos possam ser identificados nos vídeos e fotos são maneiras preservar, um pouco, a privacidade do usuário. Muitas das informações que as pessoas têm de um determinado usuário são fornecidas por ele mesmo, diariamente, em vários compartilhamentos de rede social, e em pouco tempo um perseguidor consegue identificar hábitos, rotinas, locais frequentados e amigos, o que pode acabar resultando em situações indesejadas e em uma perseguição obsessiva.

*Viviane de Araújo Porto, sócia do escritório Braga Fujioka, Porto, Pereira e Barbosa Advogados.