Aspectos legais das diretivas antecipadas de vontade

*João Ricardo S. Junqueira

Há alguns anos escrevi um artigo sobre testamento vital, e recentemente tive a honra de ser convidado para falar sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade em um evento de bem-estar e, portanto, resolvi voltar ao assunto, por se tratar de um tema, de certa forma, ainda tabu em nossa sociedade.

Para nós brasileiros, nunca foi fácil falarmos da morte. Entretanto, devemos entender que ela é tão temida quanto inevitável. Portanto, uma hora ou outra acabaremos nos confrontando com ela, e assim, é melhor que estejamos preparados.

Apesar de ainda não haver legislação específica no Brasil para tratar do assunto, em 2012 o Conselho Federal de Medicina elaborou a Resolução 1.995 que trata do assunto, e serve hoje como a principal fonte ética de orientação à médicos e pacientes sobre o tema.

As Diretivas Antecipadas de Vontade – DAV, é uma declaração que o paciente faz externando previamente à quais tratamentos médicos quer ou não se submeter, quando estiver incapacitado para expressar suas vontades.

Entendo que essa possibilidade de o paciente dispor sobre quais tratamentos quer receber quando não mais puder opinar sobre sua própria saúde se ampara no princípio da dignidade da pessoa humana, exaustivamente defendido em nossa Carta Magna de 1988, como por exemplo, a previsão contida no Art. 1º, inciso III da CF/88, que tem como finalidade assegurar ao cidadão um mínimo de direitos que devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, de forma a preservar a valorização do ser humano.

O direito à disposição do próprio corpo está previsto também no Código Civil, nos artigos 13 a 15. Por óbvio, o titular do direito tem um poder limitado de disposição do próprio corpo devendo observar as restrições impostos por lei, pelos usos e costumes, pelos princípios morais e que não acarrete uma diminuição permanente da sua integridade física.

Portanto é importante que se defina através de uma legislação específica os limites entre a disposição da integridade física de um paciente e a observância às suas últimas vontades.

Os próprios médicos e hospitais alegam que a falta dessa legislação específica acarreta uma enorme insegurança jurídica, o que os leva a temer ações judiciais por parte de familiares desses pacientes, que por vezes insistem que seu parente seja submetido a todo tipo de tratamento em busca de uma cura para sua doença.

A fim de minimizar esse risco jurídico, é necessário observar que o paciente deve estar lúcido e em plena capacidade para praticar os atos da vida civil, ou ainda, através da tomada de decisão apoiada, instituto trazido pela Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência e recepcionado pelo Código Civil em seu Artigo 1.783-A, onde prevê que a pessoa com deficiência elege ao menos duas pessoas idôneas e de sua confiança para lhe prestar apoio nas tomadas de decisões acerca dos atos da vida civil, inclusive no que se refere às DAV.

Naturalmente, com relação à capacidade civil do paciente para dispor suas vontades nas DAV, deve-se observar também o disposto no Art. 5º do Código Civil, que trata da habilitação para prática dos atos civis.

Já com relação aos requisitos formais desse tipo de documento, não há uma definição acerca de como ele deve ser redigido, e se quer se há necessidade ou não do mesmo ser registrado em cartório, o que se convenciona a fazer para resguardar as vontades ali descritas. O certo é que esse documento deve ser elaborado pelo paciente com suas próprias palavras a fim de transmitir claramente as suas ideias. E esse documento posteriormente será registrado pelo médico no prontuário do próprio paciente.

O paciente também poderá eleger uma ou mais pessoas de sua confiança para exercer a função de Procurador de Saúde, ou seja, aquela pessoa que responderá por ele em qualquer assunto referente à sua saúde, caso não esteja em condições de expressar suas vontades. Nesse caso é importante frisar que é dispensável o instrumento procuratório previsto nos artigos 653 e 654 do Código Civil, mas é imprescindível que o procurador conheça previamente os desejos e valores do paciente ao qual irá representar.

Apesar de não ser necessário o registro das DAV em cartório, é importante que cópias do documento estejam com o médico, seu(s) procurador(es) e outros familiares ou pessoas que o paciente julgue que devam saber de suas vontades. Importante esclarecer que a DAV pode tratar também de outros assuntos, inclusive sobrea doação de órgãos.

É importante que o paciente consulte seu médico antecipadamente para entender as formas de tratamento disponíveis para cada patologia e as opções que estão à disposição, tendo em vista as constantes inovações na área da medicina, e para que o documento contenha os termos técnicos necessários ao seu devido atendimento. Entretanto, deve ficar claro que não deve haver qualquer influência do médico ou qualquer outra pessoa nas decisões do paciente.

Por fim, estabelece o § 5º do Art. 2º da Resolução 1.995/2012 que, caso o paciente não tenha definido suas vontades na DAV, nem possua um procurador ou qualquer pessoa que possa expressar seus desejos, em caso de conflitos éticos, se recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou à Comissão de Ética Médica do hospital, ou ainda, caso necessário, ao Conselho Regional de Medicina local para decidir sobre tais questões.

Portanto, para que tenhamos nossos desejos pessoais respeitados em momentos em que muitas das vezes somente nós poderíamos optar pelo que é melhor para nosso bem-estar, e também com o intuito de diminuir a dor de nossos familiares e amigos, é necessário tratar do assunto “morte” de uma forma natural, assim como tratamos do nascimento, pois ambos fazem parte da mesma estrada que percorremos todos os dias.

*João Ricardo S. Junqueira é advogado especialista em Direito Empresarial, em Direito Civil e Processual Civil, professor universitário e Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO.