A possibilidade de divórcio extrajudicial mesmo com filhos menores ou com outra incapacidade

*Isabella Moraes Lopes

O tema “divórcio” sempre foi tratado de modo distinto a depender se o casal possui ou não filhos incapazes. Em caso de não possuírem, há tempos já é permitido ao casal se divorciar de modo extrajudicial, em Cartório. Ao contrário disso, o casal necessariamente precisaria se socorrer ao Judiciário para, entre outras coisas, promover o rompimento do vínculo matrimonial por meio de Ação Judicial.

A partir do dia 17 de fevereiro de 2020, entretanto, este cenário será leve, porém, consideravelmente alterado em Goiás.

Neste mês de fevereiro, entrará em vigor o Provimento nº 42/2019 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás, o qual, de modo inédito, foi editado a fim de possibilitar que casais, ainda que possuam em comum filhos incapazes, dissolvam o vínculo conjugal consensualmente em Cartório – o que, até então, repita-se, só era possível judicialmente.

A novidade se consubstanciará no acréscimo do art. 84-A ao Código e Normas e Procedimentos do Foro Extrajudicial da CGJ-GO, dispositivo que prevê a possibilidade de lavrar-se escritura pública de separação, divórcio ou extinção de união estável consensuais, ainda que o casal conte com filhos incapazes (por exemplo, filhos menores) ou que haja nascituro (feto), condicionado a um único requisito: a comprovação do prévio ajuizamento de ação judicial que trate das questões referentes à guarda, visitação e alimentos.

A novidade nada mais é do que uma releitura por parte da CGJ-GO (órgão de orientação, controle e fiscalização dos serviços notariais e de registro em Goiás) do artigo 173 do Código de Processo Civil de 2015, dispositivo legal que à época já era tido como inovador, afinal, “regulamentou o divórcio extrajudicial”. Ocorre que o legislador, embora comovido pelo fenômeno da desjudicialização proposto pelo Código de Processo Civil de 2015, temeu pela proteção dos vulneráveis e condicionou o divórcio extrajudicial à ausência de nascituros ou filhos incapazes.

Se com relação a esse tema o legislador foi inovador, a CGJ-GO foi renovadora!

Após alguns anos de vigência do atual Código de Processo Civil, mostrou-se perfeitamente possível ir um pouco além, em observância aos próprios princípios basilares do referido diploma legal: admitir-se-á que indivíduos capazes e acordados quanto ao rompimento de seu vínculo conjugal busquem por uma via mais célere a extinção do vínculo que os une, e, paralelamente, ainda se garantirá a proteção aos menores,  incapazes e nascituros eventualmente envolvidos, exigindo-se, para os pontos que digam respeito à esfera destes, o ajuizamento de uma Ação Judicial.

Temos, portanto, que embora a CGJ-GO tenha excedido disposições legais, a vontade do legislador permanecerá intacta, visto que ainda será indispensável a judicialização das questões inerentes às figuras de maior fragilidade no seio familiar.  O que foi facilitado, afinal, foi a dissolução conjugal em si, a qual entende-se que deve ser desjudicializada pela a sua própria natureza (vale lembrar que trata-se de um direito potestativo, incontestável judicialmente à luz da legislação vigente).

Ainda, merece destaque que o CGJ-GO foi além do que outras Corregedorias de grandes estados promoveram até aqui (entre eles, SP, RJ, RS e BA): não se exigirá a “resolução prévia e judicial” das questões referentes aos filhos do casal, mas tão somente “o prévio ajuizamento” das ações judiciais correspondentes. A redação dada pela CGJ-GO ao novo dispositivo preza, sobretudo, pela eficácia do permissivo diante dos nefastos efeitos da demora jurisdicional.

Fato é que o Provimento nº 42/2019 da CGJ-GO é um grande avanço, visto que, sem sombra de dúvidas, não beneficiará apenas as partes, que não mais terão de suportar os efeitos de um vínculo conjugal que já está desfeito de fato, mas principalmente a máquina pública, com o afastamento de demandas excedentes. É, portanto, uma conquista que se estenderá, indiretamente, a todos os cidadãos goianos.

*Isabella Moraes Lopes é advogada no escritório GMPR Advogados, Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões.