Ainda é 12 de maio

*Carlos André e Claudiney Rocha

Desde 2017, Goiás ocupa a vice-liderança no ranking dos estados brasileiros com maior número de pessoas resgatadas pelas autoridades em condições análogas à escravidão, atrás somente de Minas Gerais. Foram mais de 600 casos em cinco anos. O perfil dos resgatados: homem, preto, entre 20 e 45 anos e baixa escolaridade.

Aliás, esse é o retrato-falado dos escravos do século 21 em todo o país. Segundo dados do Grupo de Fiscalização Móvel do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência, os pretos são mais de 80% dentre as pessoas resgatadas de operações de libertação de trabalhadores submetidos a essas circunstâncias. Por condição análoga à escravidão entendem-se pessoas submetidas a trabalho forçado, à jornada exaustiva e à condição degradante, como se escravos fossem.

Nesta sexta-feira, dia 13 de maio, completam-se 134 anos da abolição da escravatura no Brasil. A alforria na palavra escrita, entretanto, não se configurou em realidade, num país dominado pelo racismo e pelo preconceito contra a população preta, que representa a maioria de pobres, dos miseráveis, com pouca escolaridade e que sobrevivem em subempregos.

Dois conhecidos pensadores brasileiros explicam essa não pragmatização da Lei Áurea: Machado de Assis, conhecido escritor, imortal da Academia Brasileira de Letras e servidor do Ministério da Agricultura, à época responsável pela fiscalização do cumprimento das leis abolicionistas; e Joaquim Nabuco, jurista, historiador, diplomata brasileiro e escritor da famosa obra “O Abolicionismo”. Ambos, críticos da falta de eficiência das políticas abolicionistas do país, carregadas de um sentimento de pseudoliberalismo e de um falso republicanismo, fizeram declarações que – até hoje – soam-nos como universais: “Foi abolido o preto. Falta abolir o escravo.” (M.A); e “Não basta acabar com a escravidão: é preciso destruir a obra da escravidão.” (J.N).

Passados mais de 100 anos, os jornais estampam o universalismo de Machado e de Nabuco: “Trabalhadores em condições análogas à escravidão são resgatados em Bom Jesus”; “Seis trabalhadores são resgatados em condições análogas à escravidão no Norte de Minas”; “Trabalhadores que extraíam areia no leito de rio são resgatados em condições análogas à escravidão em Carbonita”; “24 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em Olhos D’Água”; “Dois trabalhadores são resgatados em condições análogas à escravidão, no Paraná”; “Trabalhadores rurais abandonados estavam em condições análogas à escravidão”; “Resgatado idoso que vivia em condições análogas à escravidão em granja de Quaraí”; “MPT apura resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão na Baixada Fluminense”. “A doméstica Madalena Silva, 62, foi resgatada por auditores fiscais do Ministério do Trabalho durante o mês de abril em Salvador (BA), em condições análogas à escravidão. Nos 54 anos que trabalhou na casa da família, ela sofreu com humilhações e demonstrações de racismo, não tendo sequer recebido um salário mínimo.”

Todas as manchetes acima foram publicadas por jornais, por TVs e por sites de notícias somente nos meses de abril e de maio desse ano. Os fiscais do Trabalho chegam a essas pessoas, muitas vezes, por meio de denúncias, depois de elas já terem passado anos submetidas a condições indignas de vida. As notícias e os resultados dessas operações deixam claro que a escravidão ora abolida em 1888 segue viva de norte a sul do País, subjugando irmãos e irmãs, em sua imensa maioria pretos e pretas, a uma vida absolutamente degradante.

O 13 de maio é um marco na história, mas precisa tornar-se marco histórico de fato em nossas vidas. O combate ao racismo e uma real política nacional de cotas e de oportunidades devem servir de base para uma transformação há tanto aguardada! A escravidão no nosso século maltrata, subjuga, desespera e mata. Não diferente do que ocorria nas fazendas dos grandes senhores de engenho, nossos irmãos e irmãs continuam sendo escravizados nas grandes cidades, nas zonas rurais e nas favelas. Não é difícil de ver. Basta olhar em volta. Fato: ainda é 12 de maio.

P.S.: O título desse artigo foi extraído de um samba enredo da Salgueiro, concorrente ao Carnaval de 2022, e foi-nos recomendado por Paulo Sérgio, presidente do Sindifisco.

*Carlos André Pereira Nunes é advogado, professor, CEO do Instituto Carlos André de Língua Portuguesa e conselheiro da OAB.

*Claudiney Rocha é Procurador do Estado de Goiás e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás (Apeg).