Quando assisti pela primeira vez ao filme De Volta para o Futuro, a ideia de um jovem viajando até 2015 parecia o auge da ficção. Hoje, aquela data já passou, e o que parecia distante se tornou o nosso agora — cheio de tecnologias que nem mesmo o cinema ousou prever. Basta lembrar do primeiro celular, o robusto PT 550 da Motorola. Um tijolo. Hoje, o que carregamos no bolso é mais do que um telefone: é um computador, uma biblioteca, um banco, um escritório inteiro.
A minha relação com a tecnologia começou cedo. Por volta dos meus 15 anos, ainda em Catalão, fiz um curso de programação num computador CP500, com aquela famosa tela verde. Lembro bem do que se dizia na época: quem soubesse mexer com um computador, dominaria o mundo. Aquilo ficou gravado em mim. Eu queria entender. E, mesmo com toda aquela curiosidade, jamais imaginei que chegaríamos a algo como a inteligência artificial de hoje.
E ela chegou. E com força. Na advocacia, a IA já organiza jurisprudências, redige minutas, sugere estratégias. Recentemente, chegou aos tribunais de forma simbólica: um advogado utilizou uma IA para realizar uma sustentação oral com uma voz artificial, sem presença, sem emoção.
Como professor de Oratória e Sustentação, e com a experiência de quem vive a prática intensa do Tribunal do Júri, afirmo com tranquilidade: a tecnologia pode até apoiar, mas jamais substituirá a força de uma fala autêntica. Sustentar oralmente é mais do que apresentar argumentos — é tornar-se ponte entre a causa e a consciência de quem julga.
Nos tribunais, a tecnologia já faz parte da paisagem: usamos infografias, vídeos, recursos visuais e até simulações digitais com apoio da IA. Mas nada disso anula a necessidade de aliar técnica e emoção. E é justamente quem sabe equilibrar esses dois elementos que, no final, tem mais chances de fazer seu discurso permanecer.
Nos meus cursos, uso uma analogia que gosto muito. Numa banda de música, todos são importantes: quem toca guitarra, quem segura o ritmo na bateria, quem sustenta a harmonia no baixo. Mas é a voz, o cantor, que traduz tudo isso em emoção. É a voz que carrega a mensagem até o público. E aí eu pergunto: quem é que fica na memória das pessoas depois que a música termina?
Na advocacia, o advogado é esse vocalista. É ele quem transforma a letra fria da lei em discurso vivo. A inteligência artificial pode até compor, pode sugerir a melodia — mas é você quem precisa cantar.
O futuro já chegou, é verdade. Mas ele não exige que sejamos apenas espectadores. Ele nos desafia a protagonizar, com responsabilidade, consciência e, sobretudo, com a palavra viva de quem entende que comunicar bem não é apenas um dom — é preparo, é estudo, é treino, é escolha. E é exatamente isso que transforma a técnica em impacto.
*David Soares é advogado criminalista, diretor tesoureiro da OAB/GO e presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal em Goiás (Anacrim-GO).