A recuperação judicial transnacional da Oi

advogado renaldo limiroA recuperação judicial da Oi – a mais vultosa do Brasil em todos os tempos -, cujo pedido foi protocolizado há exatamente uma semana na Comarca do Rio de Janeiro-RJ, traz em seu seio questões e aspectos os mais diversos possíveis, que procuraremos demonstrar nas linhas seguintes, nos atendo com mais especificidade aos jurídicos, vez serem estes os que mais nos chamam a atenção.

Quanto aos consumidores dos serviços da Oi, os momentos presente e futuro devem ser vividos na mais absoluta tranquilidade, até mesmo porque o deferimento do processamento da recuperação judicial – que ainda não aconteceu -, por si só em absolutamente nada altera a relação entre fornecedor e consumidores. Estes, por conseguinte, terão a continuidade do fornecimento dos respectivos serviços nos moldes contratados, não tendo qualquer motivo para temer corte ou mesmo interrupção. Nesse procedimento e a seguir como determina a Lei 11.101/05, os administradores são mantidos na condução da atividade empresarial.

Sempre, quando proferimos palestras ou mesmo cursos, ou ainda, quando escrevemos a respeito dessa especialidade, insistimos em afirmar que a recuperação judicial, mesmo antes da literal aplicação dos dispositivos legais correspondentes, é um conjunto principiológico que vem sendo aplicado e ganhando corpo a cada dia que passa, pelos nossos ilustres julgadores. Tais princípios foram explicitados, e porque não dizer instituídos pelo saudoso Senador da República Ramez Tebet quando da confecção da Lei 11.101/05, sendo eles em número de 12 (doze), e puxando a fila aparece em grande destaque o princípio da preservação da atividade ou princípio da continuidade da empresa.

São tais princípios de natureza tão contundente que, em algumas situações, os mesmos são aplicados de forma frontal ao que diz a Lei específica, justificando, dessa forma, as nossas afirmativas, conforme veremos. E o mais surpreendente, é que após 11 (onze) anos de vigência da Lei 11.101/05, somos, por decorrência dessa principiologia, agraciados com decisões às vezes surpreendentes, mas que no fundo visam a proteção dos empresários e sociedades empresárias recuperáveis, e ao mesmo tempo retirar do mercado, via falência, os irrecuperáveis.

Podemos citar como exemplo de casos que encabeçam o parágrafo anterior, a jurisprudência consolidada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça que, exatamente ao contrário do que diz a Lei 11.101/05, art. 6o, § 4o (que o prazo de suspensão das ações e execuções em face do devedor, “em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação…”), diz: “o simples decurso do prazo de 180 dias de que trata o artigo 6o, §4o, da Lei 11.101/02005, não enseja a retomada automática das execuções individuais” (Jurisprudência em Tese Edição 35 – RECUPERAÇÃO JUDICIAL I, enunciado número 6).

Quanto à parte que encerra o penúltimo parágrafo – decisões às vezes surpreendentes -, vamos encontrá-las no caso sob exame – o pedido de recuperação judicial da Oi -, que, repita-se, ainda não recebeu o deferimento do processamento, mas já recebeu decisões e parecer favoráveis ao mesmo, o que, pelo rito da Lei, só deveria ocorrer após. Assim, encontramos no artigo 52 da Lei 11.101/05, a prescrição de que, estando em termos a documentação apresentada pelo devedor/recuperando, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial, e no mesmo ato: “… II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios…; III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei,…; V – ordenará a intimação do Ministério Público…. (grifamos).

Ora, nada obstante inexistir o citado despacho deferitório do processamento da recuperação judicial da Oi, o eminente magistrado distribuído da Justiça Comum do Rio de Janeiro determinou a prática de atos que só deveriam ser praticados após o mesmo, quais sejam: a) a dispensa da apresentação de certidões negativas em qualquer circunstância relacionada ao grupo Oi, inclusive para o exercício de suas atividades (incluindo certidão de débitos referentes às receitas administradas pela ANATEL e certidão negativa de distribuição de pedidos de falência e recuperação judicial); b) a suspensão de todas as acões e execuções em face do grupo Oi; e, c) ordenou a intimação do Ministério Público, o qual deu parecer favorável ao deferimento. Descumprimento da Lei? Não! É a aplicação dos princípios acima citados e a par da tutela de urgência do Novo Codigo de Processo Civil, que aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos na Lei Falências e Recuperação (art. 189 da Lei 11.101/05).

Se isto só não bastasse para a estupefação dos menos avisados, no caso sob exame ocorreu um despacho do MM. Juiz distribuído que, em princípio, contraria tanto a Lei quanto a jurisprudência pacificada no STJ. Referimo-nos à intimação do Ministério Público, que conforme vimos acima, somente deve ocorrer quando do despacho do deferimento (art. 52, V, da LFR), e, conforme o enunciado número 12 da Jurisprudência em Tese do STJ, Edição número 35: RECUPERAÇÃO JUDICIAL I, que diz: “na vigência da atual legislação de recuperação e falência, a intervenção do Ministério Público ficou restrita às hipóteses expressamente previstas em Lei”. E ser intimado e dar parecer antes do deferimento do processamento, não é uma hipótese prevista na Lei.

A par dos exemplos citados, outros tantos existem. Mas, ao nos aprofundarmos nos seus meandros, nos veem a imagem do guerreiro Senador Ramez Tebet que foi, verdadeiramente, o grande construtor da Lei 11.101/05, que trouxe para o mundo jurídico brasileiro um novo modelo do direito concursal baseado em princípios, tanto para a recuperação quanto para a falência.

Por fim, resta-nos reconhecer o extraordinário trabalho do eminente Professor, advogado e escritor Paulo Penalva Santos e sua equipe, que souberam dar corpo sólido a este pedido de recuperação judicial do grupo Oi, bem como à sensibilidade do eminente magistrado Dr. Fernando Cesar Ferreira Viana, titular da 7a Vara Empresarial do Rio de Janeiro, antecipando determinadas medidas e proibindo outras, sem as quais, por óbvio, o sucesso deste pedido ficaria absolutamente comprometido.

Por tudo, nos resta a certeza e a convicção absolutas do deferimento do processamento deste pedido de recuperação judicial do grupo Oi, porque outra sorte não pode restar ao grupo, aos seus credores, aos empregados colaboradores, enfim, a todos os atores deste processo, inclusive aos consumidores dos serviços prestados. Da mesma forma, confiamos na aprovação do plano a ser apresentado, e por fim, na homologação do mesmo – instante supremo deste procedimento -, pois é exatamente neste momento que se concretiza a concessão da recuperação judicial.

Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial de empresas, autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Editora DelRey, 2015; Recuperação Judicial, AB Editora, 2005; e Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá, 2007. Site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br