A mercantilização do ensino jurídico e o problema da educação bancária

Danilo Orsida

O professor Paulo Freire, em sua obra “A pedagogia do oprimido”, traça um diagnóstico certeiro sobre o sistema educacional brasileiro, estabelecendo uma profunda crítica ao que intitula “educação bancária”. Na perspectiva freiriana,  a educação bancária, é o modo de opressão, da ausência de liberdade e a imposição unilateral do educador.

Ousando parafrasear a narrativa de Paulo Freire e apropriando-se do seu termo “educação bancária”, atrevo a dizer que se dito autor ainda estivesse vivo, o termo “bancária”, certamente seria interpretado como sinônimo de “Banco”, isto é, de um estabelecimento de crédito de instituição financeira.

Ora, nos últimos 20 anos, vivenciamos uma explosão de cursos na área jurídica: de aproximadamente 200 na década de 1990, saltamos para mais de  1,3 mil cursos credenciados junto ao Ministério da Educação- MEC. Aliás, falando em MEC, não hesito em dizer que este o avalista de todo o cenário da mercantilização do ensino jurídico instalado no Brasil.

Na atual conjuntura, 01 (um) em cada 10 (dez) universitários brasileiros são acadêmicos no curso de graduação em Direito. Ao considerarmos a centena de cursos superiores ofertados no Brasil, tal indicador revela um cenário relevante e assustador.

Ainda tratando de números, recentemente repercutiu a notícia de que alcançamos 1.000.000,00 (um milhão) de advogados no quadro de inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.  Em verdade, uma consequência lógica da explosão de cursos vivenciada nas últimas décadas. Ora, em nenhum país no mundo existem tantos cursos de Direito quanto o Brasil. Em breve, seremos um país de bacharéis!

Estima-se que a cada ano, cerca de 60 mil novos advogados ingressam no mercado. Para exemplificar tamanha disparidade, tal número corresponde ao total de graduados em Direito existentes na França.

Aliás, falando em OAB, acredito que aperfeiçoando dos instrumentos de avaliação e de reconhecimento dos cursos passa pelo fortalecimento da opinião da classe dentro do processo avaliativo. É preciso fortalecer o papel da Ordem dos Advogados dentro deste processo. Ora, conforme a legislação vigente, nos processos de autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento dos cursos jurídicos, o MEC é quem detém a palavra final.

Em que pese dentro deste processo se assegurar a manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nota-se que, em muitos casos, mesmo com parecer contrário a abertura e renovação de cursos, acolhe-se a posição institucional da Ordem como um mero parecer opinativo. Ignora-se a posição vociferada pela OAB,  ficando ao encargo do próprio MEC a decisão final no que tange à abertura, ao credenciamento e autorização para funcionamento das instituições de ensino. Dai, sem hesitar repito, o MEC é o avalista de todo este processo de mercantilização !

O ensino, ao ver, é uma dádiva  a ser ministrada com vocação e seriedade e não uma como uma instituição bancária em que se busca meramente o lucro ! A venda da educação superior se tornou uma atividade extremamente lucrativa, uma verdadeira atividade bancária, pois, contrata-se os professores, de preferência um recém formado para se ter o mínimo de despesa, já que a mão de obra é abundante, ato contínuo, com uma política de marketing , parte-se para a captação da clientela, isto é, dos alunos, em seguida, vende-se uma linha de crédito próprio para o cliente, e pronto, a equação perfeita ! Todavia, convém lembrar que emprestar dinheiro a juros com financiamento é atividade do mercado financeiro, dos bancos, e não sistema educacional.

O modelo estabelecido precisa ser repensado. Uma alternativa a esta equação perversa é o fortalecimento do ensino público de qualidade. Antes de formarmos bacharéis, precisamos nos ater a formação humanística, de profissionais com capacidade crítica e capazes de enfrentar e interpretar as exigências do mercado.

*Danilo Orsida é  advogado, economista, sociólogo e professor, pós-graduado em Gestão Financeira, pós-graduado em Direito e Processo Tributário. Mestre em Direito e Relações Internacionais.