Sued Araújo Lima*
Como regra, em processos criminais, após a fase de instrução, o magistrado pode determinar a apresentação de memoriais de forma escrita.
Em certos casos, há colegas que postergam o protocolo da referida manifestação ou até mesmo deixam de apresentá-la, não se atentando ao prazo concedido pelo juiz.
Nessas situações, é comum que os magistrados determinem a expedição de ofício à OAB justamente para apurar se a conduta consiste ou não em infração ética-disciplinar.
No presente artigo, vamos abordar quais podem ser as consequências junto ao Tribunal de Ética e Disciplina pela não apresentação dos memoriais em processos criminais no prazo hábil.
- Do recebimento do Ofício pela OAB
Como visto, em certas ocasiões em que os colegas deixam de apresentar memoriais, os magistrados determinam a expedição de ofício à Ordem.
Após o recebimento do Ofício, o documento é encaminhado ao Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional, oportunidade em que a Presidência efetua o juízo de admissibilidade.
Na ocasião, a decisão deve ser fundamentada quanto à existência ou não de elementos que possam configurar infração ética-disciplinar.
Caso o juízo de admissibilidade seja positivo, a Presidência determinará a notificação do advogado para que possa apresentar a sua defesa prévia no prazo de 15 dias úteis e dar início a instrução do feito.
- Da configuração de infração ética-disciplinar
Afinal, deixar de apresentar memoriais em processos criminais é infração ou não?
Como regra geral, sim. Mas esse entendimento pode variar a cada caso.
A título de exemplo, o Tribunal de Ética da Seccional de Goiás, em decisão recente, entendeu que não houve prejuízo ao cliente ou à instrução do processo, e por isso não seria caso de infração disciplinar, destacando ainda que poderia se tratar de estratégia processual do acusado.
Nesse caso, é válida a leitura da ementa desse julgado:
PROCEDIMENTO ÉTICO-DISCIPLINAR. INFRAÇÃO ÉTICO-DISCIPLINAR EM RAZÃO DA NÃO APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS SOB A FORMA DE MEMORIAIS. – AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA E POR AUSENCIA DE PROVAS IMPROCEDÊNCIA. – NÃO HÁ NOS AUTOS PROVAS QUE O REPRESENTADO FOI DEVIDAMENTE INTIMADO PARA APRESENTAR AS ALEGAÇÕES FINAIS, TAMPOUCO QUE NÃO FOI APRESENTADA JUSTIFICATIVA. ALÉM DISSO, NÃO HÁ PROVAS DE QUE A AUSÊNCIA DAS ALEGAÇÕES FINAIS TROUXE ALGUM PREJUÍZO PARA A PARTE OU PARA O ANDAMENTO PROCESSUAL. AS ALEGAÇÕES FINAIS É UMA FACULDADE E ATÉ MEIO DE ESTRATÉGIA DE DEFESA DO ACUSADO, E, A SUA AUSÊNCIA NÃO CAUSA PREJUÍZO À PARTE, VISTO QUE NA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO PROCURADOR, O MESMO SERÁ SUBSTITUÍDO POR DEFENSOR DATIVO. ASSIM A IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO ÉTICA É MEDIDA QUE SE IMPÕE. (Processo nº: 202208398, Voto: Por unanimidade, Presidente da turma: Matheus Carvalho Soares de Castro, Relator(a): APARECIDO BERNADO DA COSTA, Data da sessão: 06/02/2024)
Já em outro caso, o mesmo Tribunal de Ética e Disciplina considerou que a mesma conduta seria infração disciplinar configurada como abandono de causa, haja vista o desamparo ao cliente, e o colega advogado acabou sendo punido.
Vejamos o teor da ementa de julgamento do mencionado caso:
REPRESENTAÇÃO ÉTICO-DISCIPLINAR. ABANDONO DE CAUSA. NÃO APRESENTAÇÃO DE MEMORIAIS. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. DESAMPARO DE PATROCÍNIO. AUSÊNCIA DE RENÚNCIA AO MANDATO FACE AS DIFICULDADES INSUPERÁVEIS OU INÉRCIA DO CLIENTE QUANTO ÀS PROVIDÊNCIAS QUE LHE TENHAM SIDO SOLICITADA. 1- Ainda que a ausência de ato processual não venha a configurar abandono da causa diante da ausência de prejuízo aos interesses do cliente, o advogado não deve deixar ao desamparo as causas sob seu patrocínio, sendo recomendável que, em face de dificuldades insuperáveis ou inércia do cliente quanto às providências que lhe tenham sido solicitada, renuncie ao mandato. 2- A ausência de comunicação e comprovação de renúncia ao mandato diante do não cumprimento do contrato de prestação de serviços configura violação a preceito ético. 3- Representação ético-disciplinar procedente. (Processo nº 201704575, Voto: unanimidade, Presidente da turma: Athyla Serra da Silva Maia, Relator(a): Rafaella Barbosa Coelho Peixoto, Data da sessão: 11.03.2020)
No caso acima, o desamparo ao cliente foi levado em consideração para aplicar a sanção ao advogado.
Assim, pode-se chegar à conclusão que o desfecho final das representações éticas-disciplinares pela não apresentação de memoriais em processos criminais possui inúmeras variáveis.
*Sued Araújo Lima é graduado em Direito pela PUC/GO, sócio do escritório Merola & Ribas Advogados, Especialista em Direito Público pelo Instituto Goiano de Direito. Foi Assessor da Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/GO.