A implementação de programas de compliance na administração é o modelo de gestão do futuro

*Lucas Lacerda Machado

Há muito se pensa na projeção de um novo modelo administrativo que supere as marcas indeléveis de um passado tenebroso na gestão pública, evidenciado por episódios de corrupção, desvios de finalidade na aplicação de verbas e fraudes em licitações em conluio com empresas privadas. De fato, não há como sustentar a perenidade de um conjunto de práticas que sepultam o interesse público e colocam à deriva do enriquecimento ilícito todas as expectativas de desenvolvimento da sociedade civil organizada. Indispensável é a mudança disruptiva e que vai além da edição de um aparato legislativo, passando por uma cultura de integridade que mitigue riscos e se preocupe mais com a prevenção de determinadas condutas que a sua repressão propriamente.

Nessa esteira, de maneira alternativa ao cenário desolador, o compliance – consolidado na iniciativa privada e prestigiado pela vigência da Lei nº 12.846/13 (anticorrupção empresarial) – têm ganhado força no setor público, validando o adágio popular de que ‘’interessa mais prevenir que remediar’’.

Interessa porque é mais barato, desgasta menos e demonstra compromisso da gestão com valores éticos e de probidade no serviço público. Para tanto, desempenha-se políticas de controle interno, fiscalização permanente e transparência nas contas públicas.

Em outras palavras, com certa astúcia, um gestor não pensaria duas vezes em evitar a ocorrência de irregularidades, que ensejam responsabilizações diversas, para não enfrentar processos judiciais que podem implicar, dentre outras sanções, na suspensão de seus direitos políticos. Pra quem pretende fazer carreira política, é algo a ser lembrado (e muito).

Entretanto, não é por isso que a implementação dos programas de integridade é importante. No plano axiológico, a relevância se consubstancia no estabelecimento de um espírito coletivo de honestidade na equipe de trabalho, com condutas futuristas, visionárias, e que se traduzem não só na ideia anticorruptiva, mas num princípio que deve acompanhar todas as administrações do presente: eficiência. O ideal é que qualquer discussão sobre moralidade no trato com a coisa pública já estivesse superada. É como discutir o mínimo,olvidando-se do máximo. A preocupação tem que ser com o grau de eficiência administrativa, porém, ainda é necessário esse debate pelo simples motivo de
que não há como garanti-la, em nível satisfatório pelo menos, com comportamentos criminosos e distantes dos anseios sociais.

No plano pragmático, o compliance nas contratações públicas é imprescindível pelo viés da economicidade, haja vista que ao Poder Público é dada a compulsoriedade em contratar por parâmetros que afastem a possibilidade de prejuízos, seja licitando por condições de menor preço, seja por melhor vantagem ou custo-benefício. Não há novidade nisso: zelar pelo dinheiro público, evitando desperdícios, é o mantra de toda atividade administrativa.

Com o advento do novo regramento de licitações e contratos (Lei nº 14.133/21), priorizar os programas de integridade tornou-se fundamental, consolidando-se em via de mão dupla: (i) para a Administração, é uma segurança obrigatória, pois nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, os programas devem constar no edital com implantação cogente, no prazo de seis meses, pelo licitante vencedor (artigo 25, § 4º); (ii) para a empresa candidata na licitação, possuir o compliance interno pode lhe
beneficiar no procedimento, considerando que é um atributo valorizado na legislação como critério de desempate das propostas (artigo 60, inciso IV).

Além disso, na mesma lei, há a previsão de que a implantação e o aperfeiçoamento dos programas de integridade serão devidamente considerados para fins de aplicação das punições aos responsáveis pelas infrações administrativas (artigo 156, § 1º, inciso V). Trata-se de um instituto atenuante, uma espécie de sanção premial, que favorece o ente infrator quando do arbitramento das medidas repressivas, como estímulo à política preventiva estabelecida por compliance.

Gerir riscos, diminui-los, ou, quiçá, eliminá-los, já não é mais escolha. O administrador, na qualidade de ordenador de despesas, que negligenciar a implementação dos programas de integridade, pode responder, ainda que pela forma omissiva de sua conduta, a distintas ações judiciais. Por óbvio, a efetivação de um modelo de compliance público não isenta a responsabilidade do gestor. Não há previsão dessa excludente e nem poderia ser diferente.

Contudo, os riscos que a Administração não puder estancar e os identificar com atos que minoram seus efeitos, sinalizando o interesse e a boa-fé em resolvê-los, são ponderados mesmo que consequências jurídicas sejam inevitáveis.

Em verdade, próximo está o tempo em que será indissociável a relação entre a Administração Pública e os programas de compliance. Assim, numa realidade não longínqua, o gestor que negar a adoção das medidas de integridade não terá o que hoje a seara política denomina, por definições próprias, de governabilidade. Mais do que isso, perderá credibilidade, e o desvalor poderá lhe custar um preço, talvez, impagável, por admitir, conveniente e passivamente, a corrupção em seu governo. Afinal, a população sempre se frustra ao perceber suas demandas desassistidas, sobretudo com seus
representantes, confiados pelo voto, sendo investigados, processados e eventualmente presos.

O impacto dessa percepção é pernicioso, visto que a cultura da improbidade se dissemina quando o meio é contaminado por quem deveria agir diferente. Ser o espelho de boas práticas é impositivo na vida pública, pois habilita e conforta a cobrança alheia. ‘’A palavra convence, mas o exemplo arrasta’’: atribuída ao filósofo chinês Confúcio, a expressão é comumente reproduzida para se referir a uma lamentável política de muita retórica e pouca
prática. Necessário virar a chave para o futuro e fazer o dever de casa.

*Lucas Lacerda Machado é advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás. Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Prática Forense pelo Centro Universitário Cathedral – Unicathedral (2020). Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Mato Grosso – Campus Universitário do Araguaia (2020). Pesquisador associado da UFMT/CUA. Membro do Núcleo de Pesquisas em Direito no Araguaia (NUPEDIA),