Pedro Paulo de Medeiros*
Por décadas, a Coreia do Sul foi celebrada como um modelo de democracia vibrante e resiliente, um contraste marcante ao regime autoritário e fechado da Coreia do Norte. Porém, o recente episódio em que o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol tentou impor a lei marcial, sob alegações de ameaças comunistas internas, expôs uma verdade inquietante: mesmo democracias consolidadas podem tropeçar em crises institucionais e políticas.
A justificativa apresentada por Yoon — a existência de “forças comunistas” e “elementos antiestado” — ecoa um padrão histórico de líderes em dificuldade. Fragilizado por uma aprovação de apenas 19% e sem base parlamentar para governar, ele buscou uma saída autoritária para contornar o bloqueio político. Essa tentativa não apenas falhou, mas agravou a crise política, culminando em renúncias no alto escalão do governo e em uma resposta firme do Parlamento, que anulou o decreto em poucas horas.
É impossível ignorar os paralelos históricos. Em 1937, Getúlio Vargas no Brasil usou o falso “Plano Cohen” como pretexto para fechar o Congresso e instaurar o Estado Novo, consolidando uma ditadura sob o discurso de “proteger a nação”. Décadas depois, em 1992, Alberto Fujimori dissolveu o Congresso peruano para concentrar poderes, utilizando o combate ao terrorismo como argumento. Ambos os casos ilustram um fenômeno recorrente: líderes que se veem acuados pela oposição ou pelo declínio de popularidade recorrem a narrativas de ameaça para justificar medidas que solapam a democracia.
O caso sul-coreano, felizmente, teve um desfecho diferente. A Assembleia Nacional, fortalecida pela oposição e por uma sociedade civil vigilante, respondeu rapidamente, impedindo que o decreto fosse levado adiante. Essa resistência foi uma demonstração contundente de que as instituições democráticas sul-coreanas, embora testadas, permanecem resilientes. Contudo, o episódio deixa claro que nenhuma democracia está isenta de vulnerabilidades, e que o autoritarismo muitas vezes surge das próprias estruturas que deveria proteger.
Curiosamente, essa tentativa de autogolpe ocorreu justamente na Coreia do Sul, país onde associamos democracia consolidada e uma história de superação autoritária. É irônico, mas também revelador, que um movimento desse tipo não tenha vindo do Norte, mas sim do Sul — da liderança eleita democraticamente.
Este episódio também reflete um alerta universal: crises políticas são terreno fértil para líderes explorarem o medo e justificarem ações autoritárias. Na América Latina, na Ásia ou em qualquer outra parte do mundo, a preservação da democracia exige instituições robustas, lideranças éticas e uma sociedade civil atenta.
A tentativa frustrada de Yoon Suk Yeol reforça a lição de que a democracia precisa ser defendida continuamente. O recuo do presidente, impulsionado pela pressão parlamentar e social, demonstra o poder das instituições democráticas quando há vontade de resistir. Porém, também ressalta o quanto essas mesmas instituições podem ser ameaçadas se as lideranças e a sociedade não permanecerem vigilantes.
O caso da Coreia do Sul não é apenas uma anomalia distante. Ele reforça que o autoritarismo pode nascer mesmo em democracias maduras, e que a história — com seus autogolpes e manipulações do poder — continua a se repetir. Aprender com esses eventos e fortalecer os mecanismos de defesa democrática é o único caminho para evitar retrocessos. Afinal, como mostra a Coreia do Sul, a democracia não é garantida por sua história, mas pela força de quem a sustenta.
*Pedro Paulo de Medeiros é advogado criminal e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil eleito para o triênio 2025-2027