Judiciário pode aumentar nota da prova discursiva nos concursos públicos?

A pergunta do título é muito interessante e polêmica, pois se discute bastante nas decisões dos Tribunais a respeito da possibilidade do Poder Judiciário intervir para aumentar nota na prova discursiva do candidato nos concursos públicos. A questão crucial é a respeito do controle jurisdicional das provas discursivas e da resposta que o candidato redige.

Antes de expor a respeito do procedimento e como ocorre a possibilidade do Judiciário adentrar na correção da prova discursiva, é relevante destacar, a priori, que em situações de ilegalidades na correção feita pela Banca Examinadora é possível sim a intervenção judicial nas respostas e nas provas discursivas.

Vale frisar que a própria Constituição Federal deixou evidente o princípio da inafastabilidade jurisdicional que garante ao candidato em concurso público o direito de recorrer ao Poder Judiciário para regularizar alguma injustiça que fez o indivíduo sentir lesionado em seu direito, conforme artigo. 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Portanto, se o candidato ao verificar a nota atribuída pela banca examinadora detectar que não houve uma correção adequada, justa e correta, ele poderá recorrer à Justiça para sanar tal irregularidade.

A grande questão que se impõe neste momento é: “Quais são as hipóteses que a banca examinadora age com ilegalidade na atribuição da nota na prova ou questão discursiva do candidato no concurso público?

Vejamos algumas situações de ilegalidades que podem ocorrer na prova discursiva (não se restringe apenas estas, pois são apenas alguns exemplos hipotéticos):

1- Quando o candidato responde de acordo com o “Padrão Resposta” disponibilizado pela banca e esta não atribui pontos ao candidato.

Neste caso mencionado é mais claro e evidente o controle de legalidade, pois a Administração Pública em um concurso público deve se pautar por princípios tais como impessoalidade, objetividade e legalidade. E quando se trata de certame, é relevante destacar que “o edital é a lei dos concursos” e isso significa que se a banca examinadora elaborou um padrão resposta, ela esta vinculada a ele.

Por conseguinte, se o candidato responde corretamente de acordo com aquilo que estava sendo exigido pela banca e a banca examinadora atribui “zero” ou uma nota “muito baixa” ao candidato e sequer motivou a perda dos pontos, então, resta claro que houve uma ilegalidade por parte da comissão do concurso. Logo, é cabível a intervenção do Poder Judiciário para sanar a ilegalidade cometida.

2- Quando a banca examinadora apenas expõe a nota do candidato e não justifica e nem motiva as razões pelas quais o candidato perdeu pontos em determinado quesito.

A segunda hipótese tratada basicamente fere princípios como razoabilidade, proporcionalidade e da motivação. É importante destacar que a nota que a banca atribui ao candidato é um ato administrativo e, por isso, deve ser devidamente motivado. A própria lei que rege o Processo Administração no âmbito federal dispõe sobre o assunto, na Lei 9.784/1999 em seu artigo 50:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

(…)

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

(…)

  • 1º – A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Percebe-se, conforme disposto na Lei mencionada que os atos administrativos, isto é, as notas atribuídas ao candidato na prova discursiva devem ser devidamente motivadas, pois decidem, em muitos casos sobre a eliminação ou aprovação da pessoa. Dessa forma, havendo ausência de motivação por parte da comissão avaliadora, é possível o candidato recorrer ao Poder Judiciário.

3- Quando a resposta da Banca Examinadora em relação ao recurso administrativo interposto pelo candidato tem uma motivação genérica e ampla, sem justificar de forma específica o porquê o candidato não mereceu uma pontuação maior.

Abordando ainda a Lei supramencionada em seu parágrafo 1º do artigo 50 dispõe que a motivação deve ser explícita, clara e congruente. Quando o candidato interpõe um recurso administrativo em face da nota recebida pela banca examinadora e esta responde um recurso com razões totalmente genéricas, por exemplo, “recurso indeferido” e não deixa claro os motivos pelos quais o candidato perdeu ponto, é um outro tipo de situação que há flagrante ilegalidade, pois ainda fere os princípios da ampla defesa e contraditório.

Ademais, para finalizar essa exposição vale destacar que no âmbito do Estado de Goiás foi editada uma nova lei dos concursos públicos, Lei Estadual 19.587/2017 que regula especificamente os concursos públicos estaduais, onde há dispositivo normativo orientando os procedimentos que deverão ser adotados na correção das provas discursivas, vejamos:

Art. 52. Os critérios de avaliação da prova escrita discursiva deverão ser divulgados no edital do concurso, com a indicação da fórmula de cálculo e da descrição detalhada dos aspectos a serem considerados na correção.

  • 1º As provas escritas discursivas, para efeito de correção por parte da banca examinadora, não conterão identificação nominal do candidato.
  • 2º Na correção da prova escrita discursiva, a banca examinadora deverá assinalar de forma clara e direta a justificativa para a perda de pontos em cada erro ou omissão cometida, indicando no texto a sua localização ou ausência.

Art. 53. A avaliação das respostas às questões discursivas e orais deverá ser feita com base em espelho de correção e modelo de resposta, fornecidos juntamente com o resultado preliminar da prova e em que sejam indicados, como mínimo:

I – os tópicos de abordagem necessária;

II – os critérios de atribuição da nota final em questão;

III – as razões da perda de pontos pelo candidato.

Somente para os concursos públicos estaduais a norma acima será aplicada, e como a temática sobre critérios da prova discursiva esta normatizada, o juiz não pode mais alegar que “não compete ao Poder Judiciário substituir a Banca Examinadora”, uma vez que existe lei dispondo sobre o assunto e o magistrado deve ser guardião da lei.

Logo, se a banca examinadora em um concurso estadual não cumpre os requisitos expostos nos artigos 52 e 53 da Lei 19.587/2017, estará agindo com ilegalidade e o Poder Judiciário tem o dever legal de intervir e anular as notas ou considerar a nota conforme padrão resposta e espelho elaborado pela comissão do certame.

*Dúvidas podem enviar para o e-mail contato@agnaldobastos.adv.br