As mudanças na prescrição intercorrente e os efeitos da MP 1040

*Gustavo Milaré Almeida

No último dia 30 de março, entrou em vigor a Medida Provisória nº 1.040, de 29 de março de 2021 (MP 1040), que buscou modernizar o ambiente de negócios no Brasil e, assim, melhorar a posição do país no relatório Doing Business, do Banco Mundial. Dentre as alterações, a nova medida incluiu o artigo 206-A no Código Civil para dispor que a prescrição intercorrente observará o mesmo prazo da prescrição da pretensão, ou seja, o mesmo prazo que o titular de um direito tem para exercê-lo na justiça.

A chamada prescrição intercorrente tem origem na prática judiciária e foi criada com a finalidade de impedir a existência de ações e execuções eternas e imprescritíveis, para, assim, oferecer estabilidade às relações sociais e segurança às relações jurídicas.

Essa alteração trazida pela MP 1040 não trouxe novidade prática, já que repetiu a súmula nº 150 do Supremo Tribunal Federal (STF), que vem sendo utilizada para interpretar a prescrição intercorrente como uma forma de prescrição que ocorre durante o curso de um processo sempre que o autor ou credor deixar de praticar atos de sua responsabilidade por prazo igual ao da prescrição de sua pretensão, desde que não exista nenhum ato ou fato impeditivo, suspensivo ou interruptivo desse prazo.

Muito embora possa ocorrer em qualquer fase do processo, por questões práticas, é na fase executiva que em geral se verifica a prescrição intercorrente, uma vez que é quando o titular de um direito concretiza a impossibilidade do devedor reparar aquele seu direito que foi violado ou ameaçado, em especial nos casos em que essa reparação envolve o pagamento de quantia, ou seja, quando a natureza da tutela jurisdicional for ressarcitória.

Essa concretização, decorrente da não localização de bens do devedor passíveis de penhora, normalmente leva o credor, crente de se tratar de situação passageira, a requerer ao juiz do processo a suspensão da fase executiva. Nessa hipótese, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que:

– A prescrição intercorrente começa a correr automaticamente a partir do término do período de suspensão fixado em juízo ou, inexistindo esse prazo, após 1 (um) ano, independentemente da intimação do titular do direito para dar andamento ao processo (IAC no REsp n. 1.604.412/SC);

– A interrupção do curso da prescrição intercorrente depende de constrição patrimonial e da efetiva citação (ainda que por edital), não bastando o mero peticionamento em juízo de diligências que se mostraram inexitosas/infrutíferas em localizar bens (REsp 1.340.553/RS); e

– Frustrado o direito de crédito, em razão de prescrição intercorrente, não se justifica a imposição de sucumbência porque a fase executiva decorreu do fato do devedor não ter cumprido a obrigação de satisfazer dívida líquida e certa.

Se, por um lado, a alteração trazida pela MP 1040 supriu uma falha do nosso sistema, por outro, não resolveu a hipótese do titular do direito não ser inerte, já que, muitas vezes, o titular de um direito depende necessária e exclusivamente do Poder Judiciário para conseguir localizar bens penhoráveis para avaliar se respectiva indisponibilidade era ou não passageira, sujeitando, assim, o titular do direito ao entendimento do STJ, em geral, sem a análise detida e específica do seu caso concreto.

Num país onde a inadimplência tem crescido a cada dia, inclusive devido aos efeitos da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), e onde muitos se esquivam maliciosamente do cumprimento pontual e espontâneo de suas obrigações, sabedores do (mau) funcionamento da máquina judiciária, não parece vanguardista nem tampouco aderente aos anseios e necessidades da realidade jurídico-social brasileira carrear ao titular do direito, sem um exame acurado das particularidades do caso concreto, o mesmo o ônus da sua indevida inércia para a hipótese de inefetividade processual.

Por fim, embora não se acredite que aconteça, a referida alteração trazida pela MP 1040 ainda poderá ser revista pelo Congresso Nacional antes da aprovar tal medida editada pelo Poder Executivo.

*Gustavo Milaré Almeida é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil e sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados