Afinal, a Covid-19 deve ser considerado doença ocupacional?

*Patrícia Miranda Centeno

A pandemia do novo coronavírus afetou a sociedade brasileira de várias formas, incluindo o mercado de trabalho. A Covid-19 está nas preocupações e na pauta de empregadores e empregados. A Medida Provisória 927/2020 trouxe em seu texto o artigo 29, que dizia “os casos de contaminação pelo novo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.

Porém, o Supremo Tribunal Federal, em abril deste ano, afastou o dispositivo liminarmente e passou-se a divulgar que os casos do novo coronavírus seriam considerados doença ocupacional, invertendo o que havia sido posto com força de lei.

A ideia de que a suspensão dos efeitos do artigo 29, que não pressupunha a relação da Covid-19 com o trabalho, se tornou imediatamente no inverso, relacionando a contaminação pela doença ao ambiente de trabalho, constitui-se em falsa premissa.

O artigo 29 da revogada MP 927/2020 trouxe para o corpo desta norma a mesma linha de pensamento prevista na Lei 8.813/91, na qual consta que “a doença endêmica, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho” não é considerada doença do trabalho.

Ora, a Covid-19 foi reconhecida como pandêmica pela Organização Mundial da Saúde, bem como de contaminação comunitária pela Portaria 454, do Ministério da Saúde, se aplicando perfeitamente a hipótese da lei.

Então, o que muda com a suspensão liminar do artigo 29 pelo STF? Está valendo a regra geral da responsabilidade civil. O que significa dizer que a Covid-19 pode ser equiparada a uma mesopatia, ou seja, doença do trabalho, mas não é doença profissional. E isso implica na necessidade de provar o nexo causal entre a doença e o local onde foi adquirida para fins de responsabilidade civil.

A esta altura você já deve estar pensando nos médicos, enfermeiros e pessoas que trabalham na linha de frente desta pandemia. E quanto a eles? Veja bem, existem algumas profissões e situações que quebrarão a presunção de não se tratar de doença ocupacional, causando a inversão do ônus da prova. Creio que este tema ainda será amplamente discutido. E quais seriam estas profissões?

Hoje tem-se uma importante sinalização vinda da OSHA (Occupational Safety and Health Administration) que dividiu os profissionais em quatro grupo, conforme graus de risco de exposição. A classificação vai do risco muito alto, o que inclui médico, paramédicos e outros. até risco baixo, como profissionais que não lidam com atendimento aos públicos.

Os dois primeiros grupos terão facilidade em inverter o ônus da prova e em trazer a presunção para o seu lado. A grande celeuma será instalada quanto ao enquadramento do terceiro grupo, ligado ao comércio varejista e a outras profissões que exigem contato mais próximo. A princípio, acredito que deva se manter o ônus para o trabalhador.

Certamente, é um tema que trará muita discussão, mas trocando em miúdos, entendo que a decisão do STF referente ao artigo 19 da já revogada MP 927/2020 não inverte a presunção acerca do nexo causal, de forma automática, devendo ser comprovado por quem alega.

*Patrícia Miranda Centeno é advogada trabalhista e sócia do Miranda Arantes Advogados