Desapropriação de imóveis localizados na Avenida Leste-Oeste: inaplicabilidade da súmula 619 STJ

*Donner Henryck Freitas de Lima Maia

Indenização decorrente de desapropriação deve ser paga de forma justa, prévia e em dinheiro.

É incontestável a máxima jurídica de que o Estado Democrático de Direito tem a obrigação e o dever de fornecer e também de divulgar os direitos básicos que seus cidadãos possuem, livres ou não.

São princípios do Estado Democrático de Direito: Constitucionalidade, Organização Democrática da Sociedade; Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, Justiça Social, Igualdade; Divisão de Poderes; Legalidade; Segurança e Certeza Jurídicas.

Em breve exposição, é válido ressaltar que a Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu artigo nº 5º, XXIV, assim dispõe: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvada os casos previstos nesta Constituição”. (grifo nosso)

A problemática e a hipótese se encontram neste plano, visto que, ainda que haja referido amparo, mormente, realizada por meio de precatório, a indenização perde seu caráter prévio e em dinheiro, ensejando o questionamento que norteia o presente estudo, quanto à compatibilidade ou não da aplicação do artigo nº 100 da Constituição com o instituto da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, e a predisposição em se assimilar que inexiste consonância com o referido sistema.

Assunto este, já vencido pelas decisões dos tribunais que já consolidaram que a desapropriação não ingressa no regime de precatórios, devendo a mesma ser paga previamente e em dinheiro, preservando os princípios constitucionais.

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, embora reconheça o Direito de Propriedade, também impõe restrições ao uso, gozo e a propriedade desse direito. São assim chamadas as desapropriações, sendo elas por: utilidade pública, necessidade pública, interesse social, reforma agrária, reforma urbana, propriedade nociva, e por zona.

Então, a desapropriação deve ser uma forma de propiciar o bem comum não em detrimento ao direito privado, mas em prol do próprio desenvolvimento da coletividade.

Acontece que em paralelo à aplicação das modalidades de desapropriação corre os procedimentos a serem seguidos para que a mesma seja efetuada dentro da legalidade e do devido processo legal, evitando assim as irregularidades e injustiças em eventual desapropriação que poderiam resultar em indenizações e prejuízos insanáveis a dignidade da pessoa humana.

Resta certo então que este dispositivo desapropriante deve ser obedecido, podendo ele ser administrativo/extrajudicial ou judicial.

Não podemos e não devemos aceitar tudo em nome da coletividade, haja vista que além de um procedimento a ser seguindo ainda há de serem observados outros princípios basilares do direito como o Direito adquirido, Ato jurídico perfeito, coisa julgada e a segurança jurídica. O exemplo clássico de aplicação do princípio da segurança jurídica é o que decorre do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (CF) de 1988, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”.

É público e notório que a Avenida Leste-Oeste trará enorme beneficio a coletividade, ajudando no escoamento do trânsito e beneficiando toda a coletividade. Inclusive um avanço importantíssimo para a melhora do trafego na capital.

A grande problemática surgiu no ano de 2008, quando a Prefeitura de Goiânia interessou-se pela localidade para a passagem da Avenida Leste-Oeste, abrindo processo administrativo para indenizar as famílias que ali estavam, algumas a mais de 40 anos.

Ocorre que em meados de 2010 à Prefeitura de Goiânia voltou à área e fez o levantamento das famílias que teriam o interesse em sair de suas residências para receber um lote ou uma casa no Setor Buena Vista, localizado a mais de 12 km do setor Cidade Jardim onde residem.

Com a proposta, muitas famílias decidiram aceitar mudar para o setor Buena Vista, ficando outras no local para receber a indenização em dinheiro (opção oferecida pela prefeitura de Goiânia), com isso, foi efetuada a avaliação das casas e fixado o ACORDO entre 2010 e 2012, ficando as famílias à espera da indenização em dinheiro firmada para se retirarem de suas casas.

Posteriormente, com a súmula 619 do STJ, a qual restou indevida a indenização por benfeitorias em áreas pública, a Prefeitura de Goiânia alegou que os moradores que ali esperavam a indenização não mais teriam direito e que o acordo era totalmente nulo.

Porém, a súmula foi publicada somente em 24.10.2018, ou seja, mais de 06 (seis) anos após o acordo firmado entre os moradores e a Prefeitura de Goiânia o que torna inaplicável ao caso em tela, sendo possivelmente da execução do acordo.

Ocorre que após algumas reuniões com os moradores a Prefeitura de Goiânia emitiu uma notificação dizendo que os moradores não teriam direito a nada e que teriam o prazo de 15 (quinze) dias para saírem de suas casas para ocorrer à demolição.

Findo o prazo estipulado a Prefeitura de Goiânia arbitrariamente se dirigiu as casas e começou a demolição de algumas casas em que os moradores já haviam recebidos outro imóvel no Setor Buena Vista e ainda amedrontaram os demais moradores falando que no dia seguinte voltaria e derrubaria a casa dos demais.

Dito e feito, no dia seguinte houve a demolição irregular de 03 (três) casas de famílias que ainda estavam à espera da indenização. O que gerou o ingresso da ação cautelar de mais de 13 famílias contra os atos da Prefeitura de Goiânia, que de plano foi deferida em liminar pelos MM. Juízes: Dr. José Proto de Oliveira da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Reg. Público de Goiânia; Dr. André Reis Lacerda da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Reg. Público de Goiânia e Dra. Jussara Cristina Oliveira Louza da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Reg Público de Goiânia.

Diante do exposto, concedo liminarmente a tutela cautelar antecedente, e determino que o Município de Goiânia se abstenha de demolir a casa da Autora […] até que a Municipalidade cumpra com a obrigação de pagamento da respectiva indenização, assumida na cláusula segunda, do Termo de Acordo celebrado […].

Não satisfeita com a decisão da liminar desfavorável a Prefeitura de Goiânia entrou com Agravo de instrumento para tentar suspender os efeitos e poder fazer a demolição das casas sem ter que pagar a indenização firmada em acordo.

Destas ações no tribunal de Justiça foi julgada somente uma pela Desembargadora Relatora Dra. Amélia Martins de Araújo que manteve a decisão do juiz Dr. André Reis Lacerda da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Reg Público de Goiânia, as demais estão em pauta para julgamento no dia 30.07.2019 (terça-feira).

São inúmeras as decisões judiciais no território nacional que vem formando o entendimento que a desapropriação permaneça em função do bem geral, ideal então que a Administração Pública, no manejo de tal competência, proceda à justa e prévia indenização em dinheiro. Haja vista que o constituinte não é omisso em prever a obrigação estatal de ressarcir o dominus (artigo nº 5º, XXIV, 182, §§ 3º e 4º, 184, caput, todos da CRFB/88 de 1988).

Desse modo, o ato deve estar de acordo com a lei e atender à proporcionalidade, se não, será um ato ilegal. Com isso, é certo que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Assim, para o Estado atingir os seus fins, deve usar dos meios adequados, e, dentre os meios adequados, só aqueles que sejam menos onerosos para o cidadão.

Por fim, se o princípio da legalidade é o firmamento do Estado de Direito, impreterível é a obediência a Lei Maior, visto que, a intenção do constituinte ao trazer expresso em seu artigo 5º, XXIV, que a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, será efetuada mediante justa e prévia indenização em dinheiro, foi justamente para proteger o indivíduo de eventuais desvios de finalidade e/ou excessos de poder da Administração Pública, sendo essas as duas formas do abuso de poder.

Ante toda a narração, revela-se manifesta a relativização do direito fundamental à indenização justa, prévia e em dinheiro. Sob pena de adentrar e prejudicar o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, isso sem mencionar a violação da dignidade da pessoa humana que é um dos princípios constitucionais basilares do direito, haja vista que a maioria dos moradores não tem sequer outros parentes para se socorrer nem mesmo condições de sobreviver sem a indenização sobre o bem que ali foi construído em alguns casos há mais de 40 anos.

*Donner Henryck Freitas de Lima Maia é advogado, graduado em direito pela Cambury, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil e Direito Agrário e Agronegócio pela Proordem-Goiânia, pós-graduando em Direito tributário Pela Faculdade Legale – São Paulo, membro da Vieira Machado Advogados.