Legalmente existe o Condomínio de Lotes ou Condomínio Horizontal?

Advogado Fábio Antônio da SilvaDurante toda a história da humanidade o crescimento populacional fez com que as pessoas busquem diferentes opções de moradia, mas em todas estas opções, o objetivo principal é a segurança, o conforto, a busca de condições mínimas para cuidar de si próprio e da família que cada cidadão compõe.

Desta forma, a criatividade humana fez surgir vilas, bairros, cidades, grandes aglomerados populacionais de diferentes formas. O fato é que, para cada nova situação, novos problemas surgem e, a inteligência humana cria novas soluções e este ciclo se repete indefinidamente.

No entanto, esta renovação populacional e de vida social, ocorre em uma velocidade muito superior a capacidade do Poder Legislativo de redefinir nossos códigos de comportamento e condutas, deixando para o Poder Judiciário a responsabilidade de solucionar os conflitos que surgem sempre que uma nova organização social aparece, estes, apoiando-se em leis antigas e inadequadas para a realidade presente.

Assim tem ocorrido com as questões provenientes dos “condomínios horizontais” ou “condomínios de lotes”, pois, mesmo já sendo uma opção de moradia a tempos utilizada pela população, ainda não existe legislação específica que trate sobre sua constituição, seus requisitos mínimos, a obrigação contributiva de seus integrantes para a manutenção das áreas comuns, etc.

Para entender a forma que estas questões vêm sendo resolvidas, vamos listar o suporte legal existente e utilizado.

Começando pela LEI Nº 4.591, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1964. Esta dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

Referida lei, em seu artigo 1º, especifica qual o tipo de unidade habitacional será tratada como CONDOMÍNIO. Vejamos:

“Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei.”

E a partir deste artigo, todos os subsequentes fazem referência a construções que compartilham um mesmo espaço territorial já individualizado (lote). Ou seja, não traz nenhuma menção ou tratamento especial em relação aos “condomínios de lotes/horizontais”.

Buscando os esclarecimentos da LEI Nº 6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências, temos outro escopo de normatização legal.

Os “lotes” são pequenas áreas provenientes da divisão de uma grande gleba e que contenha a infraestrutura urbana determinada pela supracitada lei. O procedimento para tal empreitada é determinado pela Lei nº 6.766/79, que em seus dois primeiros artigos, divide esta responsabilidade com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Temos nestes artigos:

“Art. 1º. O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta Lei.

Parágrafo único – Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e locais.

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.”

E já no segundo artigo, é dada a definição de loteamento o desmembramento, nos seguintes termos:

“§ 1º – Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

  • 2º – Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.”

Observasse que a diferença se encontra na necessidade de abrir novas vias de circulação, nos casos de loteamento, ou parcelar uma gleba em lotes que aproveitam as vias públicas já existentes, para os casos de desmembramentos.

No restante de seus artigos, a Lei 6.766/79, trata das especificações, procedimentos, registros, obrigações e penas que o responsável em lotear ou desmembrar estará sujeito pela lei.

Novamente, nenhuma referência especial é feita quanto aos atuais “condomínios de lotes/horizontais”.

Partimos então para nosso atual Código Civil, LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, que, em seus artigos 1.314 ao 1.358, trata questões pertinentes aos condomínios, com os seguintes agrupamentos:

No Livro III – Do Direito das Coisas, da Parte Especial do Código Civil, temos sobre “Condomínio em Geral” entre os artigos 1.314 e 1.330. E sobre “Condomínio Edilício” do artigo 1.331 ao 1.358.

No primeiro grupo de artigos, o qual trata do “Condomínio em Geral”, o legislador deu tratamento aos casos de vários proprietários sobre a mesma coisa indivisível; situação comum nos casos em que vários herdeiros se tornam proprietários comuns de bem imóvel deixado a estes.

No segundo grupo de artigos, do “Condomínio Edilício”, não restou dúvida de que o capítulo trata das questões pertinentes aos edifícios, aos comumente intitulados “Condomínios Verticais”.

Outra vez o legislador ignorou completamente as mudanças sociais, não levando para o código civil um mínimo de tratamento e normatização para os casos dos já existentes “Condomínios de lotes/horizontais”.

Então, de que forma estes condomínios tem se constituído? Como as questões internas tem sido tratadas?

Daqui em diante, me apoio nas ementas jurisprudenciais e nos estudos do Dr. Luiz Antônio Scavone Junior, advogado nacionalmente reconhecido no ramo do direito imobiliário e que em seu site nos brinda com o esclarecedor artigo “Loteamento, loteamento fechado e loteamento irregular” (http://www.scavone.adv.br/loteamento-loteamento-fechado- e-loteamento-irregular.html, visitado em 23/02/2016).

Dr. Scavone categoriza os “Condomínios de lotes/horizontais” como loteamentos fechados, conceituado nos seguintes termos:

“O loteamento fechado nada mais é que o resultado da subdivisão de uma gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação e de logradouros públicos, cujo perímetro da gleba original, ao final, é cercado ou murado de modo a manter acesso controlado.

Nesse caso, os proprietários, mediante regulamento averbado junto à matrícula do loteamento, são obrigados a contribuir para as despesas decorrentes da manutenção e conservação dos espaços e equipamentos públicos que passam ao uso exclusivo por contrato administrativo de concessão entre o Município e uma associação criada para esse fim.”

Por este conceito já resta claro que as vias públicas e áreas comuns existentes nesta legalmente mas desamparada modalidade habitacional serão objetos de concessão do Município a uma associação dos moradores deste espaço. Como?

Dr. Scavone esclarece através do seguinte conselho:

“Dependerá do que estiver disposto na Legislação Municipal. Todavia, é aconselhável, e assim tem sido feito, que o contrato de concessão seja firmado com uma sociedade civil sem fins lucrativos constituída pelos proprietários da área com a finalidade de recolher os recursos para fazer frente às despesas, administra-los e realizar a conservação e manutenção dos bens públicos.”

Referida associação é quem criará as normas e regulamentos que regerão o uso e manutenção dos objetos de concessão do Município, como também dos espaços comuns, utilizando os conceitos da Convenção do Condomínio da Lei nº 4.591/64.

Os requisitos deste regulamento são citados pelo Dr. Scavone, que por sua vez pautou-se em Marco Aurélio da Silva Viana (Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal 1ª ed. Rio de Janeiro. Aide, 1991. pp. 57/61), sendo eles:

–       Discriminação das partes e frações comuns e as que foram objeto de concessão pelo Município bem como obrigatoriedade de contribuição para fazer frente a essas despesas, discriminando as ordinárias e extraordinárias bem como a forma e destino de fundos de reserva;

–       Disposição acerca da proibição da alienação em separado dos bens comuns;

–       Especificação da destinação das partes comuns, tais como piscinas, churrasqueiras etc;

–       Modo de uso dos bens públicos objeto de concessão;

–       Especificação da administração, fazendo referência a associação que exercerá a administração e que firmou o contrato administrativo de concessão;

–       Modo de escolha da direção do órgão administrativo, que é a associação que recebeu a concessão dos bens públicos, repetindo os seus termos;

–       Modo de destituição do administrador;

–       Determinação das assembleias ordinárias e extraordinárias dos proprietários, forma e data de convocação bem como o quorum para as diversas deliberações que também devem estar discriminadas;

–       Discriminação dos direitos e obrigações dos moradores e do órgão administrativo;

–       Criação de sanções civis para a transgressão do regulamento, bem como pela mora no pagamento das contribuições;

–        Transcrição da concessão de uso em seus exatos termos;

–       Estabelecimento de força obrigatória do regulamento, bem como a nulidade de qualquer negócio que não conste a submissão do adquirente aos seus termos.

Elaborado o regimento e dado a este a devida publicidade, que ocorrerá através de sua averbação junto a matrícula do loteamento, terá a associação os poderes necessários para cobrança da contribuição destinada a manutenção das estruturas e espaços comuns que serão utilizados por todos que fizerem parte do loteamento fechado, ou, comumente conhecidos “Condomínios de lotes/horizontais”.

Dr. Scavone torna clara a questão e amplia a possibilidade de cobrança das despesas comuns, afirmando que basta avocar a vedação do princípio do enriquecimento ilícito, vejamos:

“Este regulamento, averbado junto à matricula do loteamento, dará a necessária publicidade aos adquirentes de lotes, futuros adquirentes nas alienações dos originais, bem como credores na constituição de direitos reais.

Todos saberão de antemão as condições do uso dos bens públicos dentro do loteamento e, principalmente, a necessidade de contribuir para as despesas comuns.

Aliás, os Tribunais vem considerando que só a circunstância de existir a despesa comum autorizaria a cobrança, o que se faz em face do princípio da vedação do enriquecimento ilícito:”

Na busca de algumas ementas sobre tal questão, encontramos no Tribunal de Justiça de Goiás:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C INDENIZATÓRIA. TAXAS DE MANUTENÇÃO. CONDOMÍNIO HORIZONTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. PROPRIETÁRIA DOS LOTES. EMPRESA EMPREENDEDORA. OBRIGAÇÃO LEGAL AO PAGAMENTO. 1- A Empresa empreendedora do condomínio horizontal, na qualidade de proprietária dos lotes ainda não comercializados, possui o dever legal (art. 12 da Lei 4591/64) do pagamento das taxas de manutenção estipuladas, independentemente de entendimento contrário, constante em ata de assembléia geral dos associados, diante da natureza da obrigação (propter rem). 2- O não pagamento das taxas mensais, necessárias à manutenção dos bens e serviços à disposição de todos os proprietários, ocasionaria enriquecimento ilícito da empresa, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.   APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.”(TJGO, APELACAO CIVEL 262311-49.2009.8.09.0051, Rel. DES. FRANCISCO VILDON JOSE VALENTE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 11/08/2011, DJe 959 de 13/12/2011)

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“CONDOMÍNIO HORIZONTAL. TERRENO. DESPESAS. PARTICIPAÇÃO NO RATEIO. O que define a legitimidade de cobrança de despesas condominiais no rateio, além da deliberação da assembléia, é a potencialidade e viabilidade de uso do serviço ou benefício, desimportando a não utilização temporária. Ademais, buscando isentar-se do rateio de despesas que entenda não lhe beneficiar, deve o condômino buscar deliberação da assembléia, ou suprimento via ação própria. Os juros moratórios e correção monetária incidem a contar do vencimento de cada cota atrasada, nos termos da sentença. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70044819100, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 26/10/2011)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CONDOMÍNIO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DEVER DO PROPRIETÁRIO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS CONDOMINIAIS EM ABERTO. Unidade habitacional recebida em pagamento de promessa de compra e venda de terreno para edificação de condomínio horizontal. Responsabilidade do compromissário pelo pagamento das despesas condominiais, a partir do habite-se. Obrigação propter rem. A alegada má-fé por parte do síndico não se configura, na medida em que está na defesa dos direitos de todo o condomínio. Descumprimento de cláusulas do contrato de promessa de compra e venda devem ser discutidas com o incorporador, em ação distinta. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70010755007, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Agathe Elsa Schmidt da Silva, Julgado em 12/07/2005)

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Demanda objetivando a cobrança de cotas condominiais não adimplidas relacionadas à conservação da coisa comum no condomínio. Rejeição da preliminar de inépcia da inicial. Planilha de débito acostada com a inicial. Inexistência de cerceamento de defesa. Condomínio horizontal de lotes que se apresenta como autêntico condomínio edilício, ainda que não estivesse registrado. Devedora que, inclusive, aceitou expressamente submeter-se ao regime condominial, conforme se verifica dos documentos de fls.14 e 15 e das participações nas assembleias. Inadimplência de inúmeras prestações. Vedação do venire contra factum proprium, como decorrência do princípio da confiança. Sentença mantida. NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.” (TJRJ – 0011776-46.2013.8.19.0063 – APELACAO – DES. MARCIA CUNHA DE CARVALHO – Julgamento: 10/08/2015 – VIGESIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL)

“APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE COTAS DE CONTRIBUIÇÃO POR ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 79 TJ-RJ. 1) In casu, verifica-se que a associação de moradores presta vários serviços (segurança, limpeza, dentre outros), os quais beneficiam a todos, mantendo infraestrutura de um autêntico “condomínio horizontal fechado”. 2) Dever dos moradores de contribuir para o custeio dos serviços efetivamente prestados. 3) Aplicação da Súmula 79 deste Tribunal. 4) Recurso ao qual se dá provimento.” (TJRJ – 0029661-80.2009.8.19.0203 – APELACAO – DES. HELENO RIBEIRO P NUNES – Julgamento: 22/07/2014 – QUINTA CAMARA CIVEL)

E neste sentido é possível encontrar várias ementas jurisprudenciais prolatadas pelos Tribunais país afora.

Dr. Scavone arremata a questão da obrigação dos associados/condôminos de contribuir com a manutenção das áreas comuns, nos seguintes termos: “Em verdade, a contribuição devida pelo proprietário do lote tratar-se-á, em virtude do registro e da publicidade, de obrigação propter rem, ou seja, vinculada à propriedade.”

Desta forma, resta claro que, os “Condomínios de lotes/horizontais” estão desamparados de legislação geral ou especial, no entanto, a mescla da legislação existente deu forma a este novo costume de aglomeração habitacional. E assim a população vai se organizando com o que tem, até que o legislativo regulamente o que a muito já está sendo praticado.

*Fábio Antônio Silva de Oliveira  é advogado e sócio sócio do escritório Silva, Machado, Nogueira & Advogados www.silvamachado.adv.br