Responsabilidade ambiental dos produtores rurais em razão de licenças inválidas ou falsas

Imagine o seguinte cenário: o produtor rural contrata uma Consultoria Ambiental especializada, com o objetivo de obter uma limpeza de pastagem sem rendimento e o corte de árvores isoladas. A expectativa do produtor é clara: obter previamente autorização para realização da intervenção na sua propriedade e evitar problemas com o órgão ambiental.

O consultor orienta aquele produtor a buscar a regularização ambiental diretamente no Município do imóvel, em razão da atual situação de regularidade do órgão municipal e, como é exigido em alguns Estados, do credenciamento da Secretaria de Meio Ambiente do Município junto ao órgão estadual.

Após o protocolo da documentação e projetos necessários, e após o regular procedimento de análise do pedido de autorização, o órgão ambiental municipal emite a licença ambiental.

Em seguida, de posse da autorização emitida pelo Município, o produtor realiza a intervenção no imóvel, acreditando estar regularizado perante a legislação ambiental vigente.

Passadas algumas semanas, o produtor recebe uma notificação do órgão ambiental estadual; que, após uma fiscalização remota, por imagem de satélite, identificou as intervenções realizadas na propriedade e resolveu por aplicar o respectivo auto de infração para as ações realizadas no imóvel.

Sobrevém, agora, o seguinte questionamento: este licenciamento ambiental prévio junto ao município, aparentemente regular, poderia afastar a aplicação da multa pelo órgão ambiental estadual?

A resposta correta é: DEPENDE!

Antes de chegarmos a uma conclusão definitiva, é preciso fazer breve digressão à natureza jurídica das infrações ambientais e, em seguida, analisar as nuances do caso concreto para se é possível afastar a aplicação do auto de infração.

Sabe-se que as infrações ambientais se inserem na seara do direito administrativo sancionador, sujeitando-se a seus princípios gerais. Com relação à natureza jurídica, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva; matéria, inclusive, já pacificada pelo STJ[1].

Em razão dessa natureza subjetiva para caracterização da infração, mostra-se necessária a demonstração do elemento volitivo do agente responsável pelo dano, consubstanciado pelo dolo ou pela culpa. Em outras palavras: ao se aplicar um auto de infração por suposta intervenção sem licença, é preciso comprovar que aquele produtor agiu com plena consciência do ato ou mesmo agiu de forma negligente ou imprudente para concorrer com aquele dano.

No que diz respeito ao dolo, é preciso que o agente, produtor rural, atue com consciência da conduta e do resultado, além de ser necessária a exteriorização da vontade de realizar a conduta e, assim, produzir o resultado esperado. Vale dizer: ciente de que precisava de uma autorização para realizar o desmatamento, ele optou por avançar sem a obtenção prévia do documento.

Por outro lado, já a culpa é o comportamento voluntário tido como descuidado, que é voltado a um determinado ilícito, e apesar de não ser desejado, podia ter sido evitado. Somente aquele que viola o dever de cuidado estabelecido de forma prévia por Lei poderá ser responsabilizado na modalidade culposa.

Ao retomarmos a análise do caso concreto, percebe-se que, quando se tratar de produtor que obteve uma licença inválida, apesar de acreditar ter sido corretamente emitida pelo município, ou mesmo quando se obtém uma licença falsa, ele desconhece o carácter de falsidade ou invalidade daquele documento, atuando, assim, com boa-fé, e engado pelo falsificador ou mesmo induzido a erro pelo equívoco do órgão ambiental municipal.

Nota-se que o próprio órgão ambiental se declarou competente para a emissão da licença, bem como estava devidamente regular quanto aos aspectos burocráticos junto ao órgão estadual, além de emitir licença compatível com a tipologia do pleito requerido (autorização para o corte de árvores isoladas para uma área de pastagem com árvores isoladas, por exemplo). Em suma: o produtor acreditou ter buscado o órgão correto, e o próprio órgão se considerou como competente e apto para emissão daquele ato administrativo.

Quando o contexto do caso concreto revelar que o produtor desconhecia a situação de invalidade ou falsidade daquele documento, ou mesmo quando ele não poderia evitar aquela situação (erro invencível), é possível afastar o caráter volitivo e, assim, fica caracterizado o esvaziamento do elemento subjetivo: não houve dolo ou culpa para o cometimento daquela infração.

Nota-se que para configurar essa situação, é preciso que perquirir que o erro não poderia ter sido evitável. Nos casos em que seria de fácil constatação esses sinais de irregularidade, não é possível afastar a aplicação da sanção, por caracterizar a negligência ou mesmo imprudência do agente naquela conduta.

Como exemplo, podemos citar a grosseria da falsificação ao se obter uma licença com um número limitado de informações e emitida de forma genérica; a promessa de liberação “fácil” dentro do órgão ambiental; a falta de idoneidade do profissional que se buscou contratar; tudo isso levar a crer que aquele erro poderia facilmente ter sido identificado previamente.

Por fim, para configurar essa hipótese de afastamento da responsabilidade do agente autuado, é indispensável que o produtor rural não tenha participado ou concorrido para a emissão ou mesmo a elaboração dessa licença ambiental falsa.

Conclui-se, portanto, a depender das situações do caso concreto, que a licença ambiental considerada inválida, e também aplicável para os casos de licença ambiental falsa, pode afastar a responsabilidade subjetiva da infração ambiental e isentar o produtor da aplicação da multa ambiental.

[1] REsp 1.401.500/PR, REsp 1.640.243/SC (2017), AgInt no REsp 1.712.989, REsp 1.708.260/SP, AgInt no REsp 1.263.957/PR, AgInt no AREsp 826.046, AgInt no REsp 1.828.167/PR