O Poder Judiciário de São Paulo condenou, em primeira instância, a ré Michele Dias Abreu ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 50 mil, por divulgação de conteúdo considerado ofensivo às religiões de matriz africana. A decisão foi proferida pelo juiz Glauco Costa Leite, da 4ª Vara Cível da Comarca de Indaiatuba, no âmbito de uma Ação Civil Pública movida pela Associação das Comunidades Tradicionais e de Cultura Popular Brasileira (Acoucai). A influenciadora ainda pode recorrer da decisão.
A ação foi ajuizada após a divulgação, pela influenciadora de um vídeo em suas redes sociais no qual associava tragédias naturais ocorridas no Estado do Rio Grande do Sul ao elevado número de “terreiros de macumba” no Estado. A autora sustentou que a publicação configurava ato de intolerância religiosa e requereu, além da retirada do conteúdo, a condenação da ré e das plataformas que hospedavam o material — Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e Google Brasil Internet Ltda. — ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
Na decisão, o magistrado reconheceu que o conteúdo publicado extrapolou os limites constitucionais da liberdade de expressão e de crença, configurando discurso de ódio. Embora Michele tenha alegado exercer sua liberdade religiosa e tenha posteriormente publicado vídeo de retratação, a Justiça entendeu que houve afronta aos direitos fundamentais dos praticantes das religiões afrodescendentes.
Segundo a sentença, a liberdade de expressão não é direito absoluto e pode ser limitada quando ofende outros direitos fundamentais, como a liberdade religiosa e a dignidade das pessoas. O juiz ressaltou que o discurso de ódio, por seu caráter discriminatório, não está protegido pelas garantias constitucionais.
“Discursos que instigam o preconceito e a intolerância, como se verificou na fala da ré, violam não apenas os direitos individuais dos praticantes das religiões atingidas, mas também afrontam valores coletivos e a própria ordem constitucional”, afirmou o magistrado. A conduta de Michele, conforme analisado nos autos, contribui para reforçar estigmas históricos, marginalizando expressões culturais e religiosas legítimas e protegidas por lei.
O magistrado também destacou que a responsabilização das plataformas digitais não se justificava, uma vez que tanto o Facebook quanto o Google cumpriram prontamente as ordens judiciais para a retirada do conteúdo, nos termos do Marco Civil da Internet.
A decisão reforça o entendimento jurisprudencial de que a liberdade de crença e a liberdade de expressão devem coexistir em equilíbrio, não podendo ser utilizadas como escudo para discursos que propaguem preconceito ou incentivem a intolerância religiosa. O valor da indenização será destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, conforme prevê a legislação de regência.