Negociações inteligentes: como os produtores rurais podem superar a crise com estratégias eficientes

Walef Bruno*

A crise financeira enfrentada pelos produtores rurais brasileiros é um desafio multifacetado que expõe as vulnerabilidades do setor diante de um cenário econômico e ambiental adverso. Nos últimos anos, a agricultura e a pecuária – pilares fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil – sofreram sérios impactos decorrentes de uma combinação de fatores. As condições climáticas extremas, a volatilidade nos preços das commodities e os custos crescentes de produção se somaram a um cenário econômico global instável e as oscilações nas políticas de crédito rural. Como resultado, o setor tem enfrentado dificuldades para manter sua competitividade e sustentabilidade.

Conforme dados do Cepea, da Esalq/USP, em parceria com a CNA, o PIB do agronegócio brasileiro registrou uma queda de 1,28% no segundo trimestre de 2024, acumulando uma retração de 3,5% no ano. Esse desempenho resultou em uma diminuição da participação do agronegócio no PIB nacional, que deve recuar para 21,8% em 2024, abaixo dos 24% registrados no ano anterior. A redução do PIB do agronegócio é atribuída principalmente à queda nos preços das commodities desde 2023, bem como ao aumento da produção de itens como soja, milho e cana-de-açúcar. Por outro lado, o ramo pecuário apresentou um crescimento modesto de 0,5% em 2024, após uma recuperação leve de 1,2% no segundo trimestre (Cepea , Esalq /USP).

Embora o cenário seja desafiador, diversos produtores rurais demonstram notável resiliência e buscaram alternativas para reestruturar suas finanças e manter suas operações. Muitos, com raízes profundas no campo e geradores de um patrimônio cultural e familiar, persistem na busca por soluções para garantir a continuidade de suas atividades. Para isso, vários desses produtores adotaram estratégias de readequação financeira, como renegociação de dívidas, ajustes nos custos operacionais e busca por linhas de crédito mais vantajosas. Contudo, tais ações foram ineficazes devido à falta de uma abordagem estratégica.

Na busca por soluções rápidas para a crise financeira, os produtores rurais acabam renegociando suas dívidas de forma precipitada, o que resulta em condições extremamente onerosas. Em casos como esse, muitas vezes, as instituições financeiras ultrapassam os limites legais de juros, gerando repactuações que aumentam significativamente os custos da operação, sobrecarregando o fluxo de caixa e comprometendo a saúde financeira do negócio. Além disso, alteraram as garantias utilizadas, colocando em risco o patrimônio do produtor, e condicionam a renegociação à contratação de outros produtos e serviços, configurando a prática ilegal de venda casada.

Diante disso, é fundamental que o produtor rural adote uma abordagem estratégica para suas negociações e renegociações de dívidas. Embora existam diversas ferramentas para a reestruturação de um empreendimento rural, as negociações de dívidas destacam-se como uma das mais eficazes, desde que conduzidas de forma estratégica e, preferencialmente, com o auxílio de um profissional especializado.

Antes de tudo, é fundamental entender as reais causas da crise que afetam o negócio, diagnosticando com precisão os fatores que prejudicam sua rentabilidade e sustentabilidade. Essa compreensão envolve avaliar os pontos fortes e fracos da operação, bem como identificar oportunidades e ameaças que podem influenciar o desempenho da atividade.

Para que se tenha uma renegociação bem-sucedida, primeiramente, deve-se olhar para “dentro da porteira” e mapear detalhadamente a estrutura organizacional, a base patrimonial e os objetivos do negócio. Esse levantamento fornece as informações essenciais para o desenvolvimento de um plano de renegociação eficaz, considerando o valor dos ativos, a capacidade de geração de caixa e as metas de curto, médio e longo prazo.

Além disso, é importante relacionar os contratos e os bens vinculados a eventuais garantias das operações, bem como categorizar de forma precisa os credores, separando-os de acordo com suas características. Essa organização é crucial para determinar as prioridades financeiras, especialmente no uso do caixa, pois nem todos os credores exercem o mesmo impacto sobre o negócio. Daí surge a necessidade de hierarquização dessas obrigações, direcionando os recursos disponíveis para onde tenham o efeito mais positivo, tanto para a operação quanto para o equilíbrio financeiro.

O estágio subsequente é a elaboração de um planejamento estratégico para as negociações. Tal planejamento deve ser cuidadosamente estruturado, levando em conta os recursos de provisão e os riscos patrimoniais envolvidos, além de considerar a natureza da operação, as opções de financiamento disponíveis e a solidez financeira do empreendimento.

A partir de recursos possíveis, como o fluxo de caixa atual, a monetização de ativos não essenciais e eventuais transportes financeiros que podem ser realizados, é necessário elaborar um cronograma de negociações que contemple uma abordagem sistemática e ordenada. Este cronograma deve ser estruturado de modo a garantir que as negociações com credores sejam realizadas de forma gradual e bem planejada, evitando sobrecarregar o caixa do empreendimento rural e garantindo que os compromissos sejam cumpridos dentro das possibilidades reais do negócio.

O planejamento de como serão feitas as ofertas de pagamento também deve ser detalhado, levando em consideração a liquidez disponível, o impacto de cada pagamento no fluxo de caixa e as condições específicas de cada credor. A flexibilidade nas formas de quitação – que podem incluir prazos estendidos, descontos por antecipação ou parcelamentos vantajosos – deve ser pensada de maneira estratégica, de forma que cada acordo seja vantajoso para ambas as partes, mas sem comprometer ainda mais a estrutura financeira do empreendimento.

Walef Bruno é advogado, atua como Coordenador de Negociações no Núcleo de Recuperação Judicial do escritório João Domingos Advogados.