A aplicabilidade do Princípio da Insignificância em crimes ambientais

*Euripedes Clementino Ribeiro Junior[1]

O princípio da insignificância, apresenta-se como uma construção doutrinária adotada pelo direito penal brasileiro, estabelecendo que condutas de mínima relevância ou que causem prejuízos ínfimos ao bem jurídico tutelado pelo Direito não devem ser consideradas criminosas, logo são isentas de punição.

O dito princípio além de ser amplamente trabalhado pela doutrina pátria também tem sua aplicabilidade estabelecida na jurisprudência, mesmo que não esteja previsto taxativamente na legislação penal. O reconhecimento e consequentemente a aplicabilidade do referido princípio depende da análise casuística de cada caso concreto considerando fatores como o valor do bem jurídico afetado, o grau de culpabilidade do agente, a extensão do dano causado e, por fim, se houve reincidência.

Ocorre que esse princípio é reconhecido como uma das manifestações do princípio da intervenção mínima do Direito Penal Brasileiro, e há muito tem ocupado o cenário jurídico em diversas condutas delituosas, não sendo diferente quando se tem em mira a sua aplicabilidade em crimes ambientais. Vale observar que esse princípio não tem previsão expressa na legislação ambiental brasileira, todavia tem sido invocado em diversas decisões judiciais como uma via relativizadora da tipicidade penal frente a condutas danosas ao meio ambiente, mas que são considerados ínfimas ou de reduzida lesividade.

  1. Conceito e fundamentos do Princípio da Insignificância

O referido princípio pressupõe que o Direito Penal deve se ocupar apenas das condutas mais graves e que representam importante risco ou dano ao bem jurídico tutelado. No contexto ambiental, deve-se analisar se a conduta do agente mesmo se enquadrando formalmente como crime, de fato afeta significativamente o meio ambiente. É de se observar que para a Suprema Corte brasileira a aplicação do princípio da insignificância/bagatela é uma mera casuística, ou seja, seu reconhecimento dar-se-á da análise detida em cada caso concreto a fim de se evitar decisões repetitivas, logo não deve ser considerado apenas e tão somente o valor do bem ou se a sua lesão for notadamente ínfima.

A despeito disso, o referido princípio traz em sua essência alguns fundamentos principiológicos, vejamos:  Princípio da Proporcionalidade: aduz que a intervenção do Estado, leia-se, penal, deve ser proporcional à gravidade da conduta e ao dano efetivamente causado ao meio ambiente; Princípio da Adequação Social: observa que as condutas que não são socialmente reprováveis ou que não representam um perigo concreto ao meio ambiente não devem ser consideradas como crime; Eficácia do Sistema Penal: pontua que uma sobrecarga do sistema penal com condutas de mínima relevância pode comprometer a eficácia na repressão aos crimes ambientais mais graves.

O saudoso doutrinador Luiz Flávio Gomes[2] ao discorrer acerca do referido princípio ponderava:

“O princípio da insignificância, que no Brasil teve suas raízes nos delitos patrimoniais e no crime de lesão corporal, é hoje reconhecido em qualquer espécie de crime (crimes contra a administração pública, crimes militares, crimes contra a ordem tributária etc). não teria nenhum sentido excluir a aplicação desse princípio nos delitos ambientais (se ele é admitido até mesmo no delito de lesão corporal de um ser humano). Com o devido respeito, mas a ideia de que qualquer conduta em relação ao meio ambiente, inexoravelmente afeta o “ecossistema” nos parece um argumento de cunho utilitarista, a exemplo de tantos que são utilizados atualmente no Direito Penal. É obvio que, v.g., a apanha de dois peixes, a derrubada de uma arvore para fazer chá não causara um dano ambiental de forma desencadeada, de forma a desequilibrá-lo globalmente.  Da mesma forma que a pesca de três camarões não causará desequilíbrio ecológico algum”.

Na mesma esteira de raciocínio temos o primoroso ensinamento de Luiz Regis Prado[3]:

“[…] em sede ambiental, menciona-se o abatimento de duas árvores de espécie nativa brasileira, que não afeta o equilíbrio ecológico do local, mas teoricamente perfaz o delito insculpido no art. 50 da Lei 9.605/98; a manutenção de ave em cativeiro apenas para lazer, sem que essa tenha sido caçada ou utilizada de modo ilícito; o abatimento de espécime, que não acarrete prejuízo a cadeia alimentar e equilíbrio ecológico etc.”

  1. Critérios para se aplicar o Princípio da Insignificância em crimes ambientais

Buscar o reconhecimento da aplicabilidade em crimes ambientais não é uma tarefa fácil e engana-se aquele que pensa ser automático o seu reconhecimento, pois requer uma análise criteriosa de cada caso. Por não haver positivação legal reconhecendo a aplicabilidade do princípio em estudo, os Tribunais Superiores[4] criaram requisitos balizadores a serem considerados para a efetiva aplicabilidade, sendo eles: 1) Lesão jurídica inexpressiva / Mínima Ofensividade da Conduta: deve-se concluir se a conduta tipificada como crime de fato representou um mínimo e importante dano ambiental; 2) Ausência de Periculosidade Social da Conduta: mensura se a conduta em si colocou em risco o meio ambiente ou a saúde pública;3) Dimensão do Dano Causado: analisa se há impacto efetivo da conduta sobre o bem jurídico tutelado pela legislação ambiental.

Por falta de previsão legal, caso o agente fiscalizador se depare com um crime ambiental flagrantemente insignificante, nos moldes do que pressupõe o Supremo Tribunal Federal, entendemos que não poderá se abster ao procedimento administrativo e até mesmo policial, tendo em vista o princípio da oficiosidade aplicável na fiscalização de crimes ambientais, sendo esse um aspecto fundamental do direito ambiental. O referido princípio aduz que os órgãos responsáveis pela proteção ambiental têm o dever de agir independentemente de denúncia ou provocação de outrem, a fim de prevenir e reprimir infrações ambientais.

No Brasil, a aplicação do princípio da oficiosidade encontra-se umbilicalmente atrelado aos órgãos ambientais – IBAMA; ICMBio – que tem o dever de fiscalizar e atuar contra qualquer atividade danosa ao meio ambiente, incluindo a investigação de crimes ambientais, logo, entendemos que não cabe ao agente fiscalizador sopesar se determinado ato que em tese esteja prejudicando o meio ambiente seja insignificante ou não, cabendo aos órgãos próprios fazerem-no por conta própria.

  1. Jurisprudência e Decisões Relevantes

Da análise de diversos julgamentos em sede de tribunais de todo o país, incluindo o Superior Tribunal de Justiça e até a Suprema Corte, nota-se que o reconhecimento do princípio da insignificância em casos de crimes ambientais tem sido considerado para fins de não aplicação de pena, como por exemplo, o pássaro criado em gaiola[5]; a pesca de um peixe fora da medida ou em períodos proibidos[6]; o corte de árvore[7] isolada sem significativo impacto ambiental que não tenha representado um impacto significativo ao ecossistema local; dano causado em plantas de ornamentação em praça pública ou em propriedade privada[8], todas as referidas condutas são passíveis de serem reconhecidas como insignificantes para fins penais, excluindo-se a tipicidade material.

O Ministro Felix Fischer[9] do Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no AREsp 1.051.541/ES oportunamente observou: “Esta corte tem entendimento pacificado no sentido de que é possível a aplicação do denominado princípio da insignificância aos delitos ambientais, quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado”. A despeito disso, cabe-nos apontar alguns exemplos de decisões que envolveram a temática especificadamente no contexto ambiental no Superior Tribunal de Justiça:

No REsp 1.643.254/SP (2017) o STJ decidiu que a apreensão de uma quantidade mínima de madeira extraída ilegalmente não justificava a aplicação de uma pena para o acusado. Insta observar que a inteligência da decisão considerou que a conduta, mesmo que tecnicamente típica, não representava um dano significativo ao meio ambiente, em razão da pequena quantidade de madeira envolvida, ponderando que a aplicação do princípio da insignificância era adequada devido à irrelevância do dano causado.

No HC 354.527/PR (2017) o mesmo tribunal aplicou o princípio da insignificância em um caso em que o denunciado foi condenado por desmatamento ilegal de uma pequena área de vegetação nativa; da análise dos fatos apresentados pelo órgão acusador aquele tribunal obtemperou que o dano ambiental causado mostrava-se insignificante em razão da extensão do bioma, logo a aplicação da pena especificamente naquele caso seria desproporcional.

Em um outro writ constitucional de HC 334.990/PR (2016), aquele tribunal concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal contra um réu acusado de utilizar uma pequena quantidade de agrotóxicos de forma irregular. O princípio da insignificância fora decisivo para o êxito ao se considerar que o impacto ambiental causado pela conduta era ínfimo e que a intervenção penal era injustificada para o caso.

Por outra via, mesmo que o Supremo Tribunal Federal já tenha se alinhado em algumas oportunidades com a tendência jurisprudencial de outros tribunais, em alguns julgados emblemáticos acabou por expurgar a aplicabilidade do princípio ao enfatizar a importância da proteção do meio ambiente e a necessidade de evitar que a aplicabilidade exacerbada do mesmo acaba por enfraquecer a legislação, deixando a entender que o reconhecimento de danos ao meio ambiente tendenciam a longo prazo a impactar de forma significativa o bem-estar coletivo e até mesmo a saúde pública, independentemente da extensão aparente do dano em casos isolados.

A despeito disso no HC 347.786/PR (2017) a Suprema Corte decidiu que a aplicação do princípio da insignificância em casos de crimes ambientais deve ser feita com cautela. Naquele caso, o acusado foi condenado por desmatamento ilegal em uma pequena área de vegetação nativa, contudo a Corte Maior entendeu que a pequena extensão do desmatamento não justificava a aplicação da insignificância, uma vez que o dano ao meio ambiente não pode ser considerado irrelevante. Nota-se que a decisão reforçou a necessidade de proteção robusta ao meio ambiente, independentemente da magnitude do dano.

No HC 384.710/PR (2018) a Suprema Corte ao analisar a aplicabilidade do princípio da insignificância relacionados ao uso de produtos químicos e agrotóxicos, decidiu que, mesmo sendo pequena a quantidade aplicada, a conduta não poderia ser considerada insignificante em face da importância da proteção ao meio ambiente e à saúde pública, ponderando a importância da manutenção da integridade do meio ambiente e a necessidade de uma abordagem que não minimizasse a gravidade das infrações ambientais.

Por fim, no HC 484.120/PR (2019) o Supremo analisou a viabilidade de se reconhecer o princípio da insignificância em um caso de pesca ilegal em quantidade reduzida, e por fim decidiu que, ainda que a quantidade de peixes pescados fosse pequena, o crime ambiental não deveria ser considerado insignificante em razão da potencial repercussão para os ecossistemas aquáticos, refletindo que o princípio da insignificância não se aplica de maneira ampla a crimes que envolvem recursos naturais e a proteção ambiental.

Segundo o magistério de Paulo Murilo Galvão[10] o que para alguns profissionais são considerados um dano ambiental, para o Código Florestal em seu Art. 3º, X, Lei 12.651/2012, são apenas eventuais atividades ou de baixo impacto ambiental, logo, a depender do ato praticado e do resultado obtido, as condutas elencadas na lei afastam não apenas o Direito Penal bem como todos os demais ramos do Direito.

Outra via a ser considerada a fim de postular o imediato trancamento do Inquérito Policial e até mesmo da Ação Penal, sob o argumento de falta de justa causa, é o Writ Constitucional do Habeas Corpus[11], requerendo, inclusive, pedido de medida liminar a fim de suspender o curso procedimental. 

É de se concluir que o princípio da insignificância desafia o Direito Penal Ambiental a encontrar um equilíbrio entre uma efetiva proteção ao meio ambiente e a necessidade de não criminalizar condutas de mínima relevância, tidas por ínfimas. A fim de não minimizar condutas que afetam por demais o meio ambiente, a efetiva aplicação do referido princípio demanda uma análise criteriosa e contextualizada de cada caso concreto, assegurando sempre a preservação dos valores ambientais essenciais para a sociedade, sem desconsiderar a proporcionalidade e a adequação das medidas repressivas adotadas pela Lei 9.605/1998 e subsidiariamente o Código Penal Brasileiro.

[1] Euripedes Clementino Ribeiro Junior é advogado responsável pelo núcleo de direito criminal do escritório FPTA advocacia; Mestre em Direito Relações Internacionais e Desenvolvimento (PUC-GO); Especialista em Direito Penal (UFG-GO); Especialista em Compliance Penal (CENTRO UNIVERSITÁRIO GRAN); Docente efetivo na cátedra de Direito Processual Penal e Prática Jurídica na PUC-GO; Autor do livro: Direitos Humanos e o Enfrentamento da Tortura no Brasil (2ª Ed. Ed. Juruá)

[2] Lei de Crimes Ambientais: comentários à Lei 9.605/98, Luiz Flávio Gomes, Silvio Luiz Maciel, 2. ed. ver., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: método, 2015, p.136.

[3] Luiz Regis Prado, Direito Penal do Ambiente, 7. ed., 2019, p.75.

[4] STF, HC 108117/RS

[5] Lei 9.605/1998 – Art. 29

[6] Lei 9.605/1998 – Art. 34

[7] Lei 9.605/1998 – Art. 39

[8] Lei 9.605/1998 – Art. 49

[9] AgRg no AREsp 1.051.541/ES, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 04/12/2017.

[10] Galvão, Paulo Murilo. Direito Penal Ambiental – Leme-SP:Mizuno, 2023.

[11] HC 84.812, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004;

HC 83.526, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 07.05.2004;

STF, RHC 88.880 MC;SC, DJU 09.06.2006, p.50