A confissão extrajudicial no processo penal: reflexões a partir do julgamento do AREsp 2123334/MG

A confissão extrajudicial no processo penal tem sido um tema de grande debate jurídico, especialmente no que tange à sua admissibilidade e valoração como prova. O julgamento do Agravo em Recurso Especial (AREsp) 2123334, envolvendo Antony José de Souza Rosa, trouxe importantes reflexões e definições sobre o assunto, destacando-se os votos dos Ministros Ribeiro Dantas e Rogério Schietti Cruz, integrantes da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça.

No caso, Antony foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) pelo crime de furto, inicialmente sentenciado a 2 anos e 6 meses de reclusão. Após apelação, a pena foi reduzida para 1 ano, 4 meses e 10 dias, em regime semiaberto. A defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), argumentando que a condenação foi baseada em um reconhecimento pessoal inválido e em uma confissão extrajudicial obtida sob alegações de tortura.

Conforme alegação da defesa, o reconhecimento do acusado foi feito a partir de uma fotografia enviada por policiais à vítima, sem seguir as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal (CPP). A condenação inicial baseou-se neste reconhecimento e na confissão extrajudicial, desconsiderando as alegações de tortura feitas por Antony, que afirmou ter confessado o crime sob pressão policial.

Voto do ministro relator Ribeiro Dantas

O Ministro Ribeiro Dantas, relator do caso, destacou a necessidade de rigor na admissibilidade das confissões extrajudiciais. Segundo ele, tais confissões não podem, em regra, fundamentar isoladamente uma condenação. Para que sejam admitidas, devem cumprir requisitos formais específicos: a informação dos direitos constitucionais ao acusado, a lavratura de termo, a realização do ato em estabelecimento estatal oficial, a gravação em áudio e vídeo, e a presença de um advogado durante a declaração.

Essa abordagem busca garantir que a confissão extrajudicial seja obtida de maneira legal e ética, evitando abusos e coerções que possam comprometer a veracidade da declaração. A formalidade e as garantias mencionadas são essenciais para proteger os direitos do acusado e assegurar que a confissão seja um reflexo genuíno da verdade, e não resultado de pressões indevidas.

Voto-vista do Ministro Schietti 

O Ministro Rogério Schietti Cruz, em seu voto-vista, reforçou a crítica ao uso de confissões extrajudiciais obtidas em condições questionáveis. Ele salientou que a confissão obtida sob tortura ou pressão psicológica é intrinsecamente falha, pois o acusado pode dizer qualquer coisa para cessar o sofrimento. Schietti enfatizou a necessidade de uma análise crítica das provas, especialmente quando estas envolvem declarações obtidas fora do ambiente judicial.

Além disso, Schietti trouxe à discussão os Princípios Méndez, que orientam a realização de entrevistas eficazes e não coercitivas. Esses princípios, desenvolvidos por especialistas internacionais, defendem que métodos baseados em empatia e respeito aos direitos humanos são mais eficazes para obter informações precisas e confiáveis, contribuindo para uma justiça penal mais justa e equitativa.

Ambos os votos destacam a importância de não considerar automaticamente a palavra dos policiais como verdade absoluta. A memória humana é falível, e a presença de interesses escusos pode influenciar o relato dos fatos. Portanto, é essencial que as declarações dos agentes da lei sejam corroboradas por outras provas independentes, evitando assim injustiças e condenações baseadas em provas frágeis ou manipuladas.

Teses fixadas no acordão 

Ao final, foram fixadas as seguintes teses:

1) A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).

2) A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.

3)  A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.

Modulação e efeitos 

Nos termos da decisão, a “aplicação dessas teses fica restrita aos fatos ocorridos a partir do dia seguinte à publicação do acordão”, ocorrida em 02/07/2024. Ainda sobre os efeitos, consignou-se no acordão que “conquanto sejam eventualmente descumpridos seus requisitos de validade ou admissibilidade, qualquer tipo de confissão (judicial ou extrajudicial, retratada ou não) confere ao réu o direito à atenuante respectiva (art. 65, III, “d”, do CP) em caso de condenação, mesmo que o juízo sentenciante não utilize a confissão como um dos fundamentos da sentença”.

A decisão tomada pela Terceira Seção do STJ deve ser recebida como baliza orientadora do trabalho realizado pelas polícias em todo o Brasil, notadamente vocacionadas à defesa do Estado Democrático de Direito.