A supressão de garantias junto ao procedimento recuperacional

Dedierre Gonçalves Silva*

A matéria de discussão acerca das garantias junto aos processos recuperacionais perpassa uma série discussões, tanto legislativa quanto em sede jurisprudencial, sempre calcada em discussões com ambos pontos devidamente embasados.

O diálogo da matéria se mostra de extrema importância, uma vez que a continuidade ou não das execuções em face dos tidos como coobrigados, aqueles que garantem de alguma forma os contratos submetidos à recuperação judicial, influencia diretamente na forma como o crédito será pago mesmo que dentro da recuperação judicial.

Dessarte, conforme instituído pelo estado democrático de direito brasileiro, as questões acabam sempre se assentando junto a jurisprudência dos tribunais superiores, sendo que, in casu, a responsabilidade legal para assentar os entendimentos acerca da Lei Federal nº 11.101/05 acaba sendo do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal).

A continuidade das execuções com o deferimento da recuperação judicial

No que concerne à discussão, a Lei nº 11.101 de 2005 em seu artigo 49, § 1º dispõe expressamente que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Neste sentido, tem-se que os direitos às garantias dever-se-iam manter inalteradas, independentemente do curso a que tomasse a recuperação judicial de determinado empreendimento.

No entanto, desde os primórdios da vigência da referida legislação os questionamentos acerca da possibilidade de prosseguimento com as execuções em face dos garantidores foram enormes. Isto pois, via de regra, o dito stay period, previsto no artigo 6º da mesma legislação, previa a necessidade de suspensão de todas as execuções em face do devedor.

Logo, como comumente ocorre, a matéria se mostrou controvertida e seguindo diversas linhas no início. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a enfrentar rotineiramente a questão.

A matéria foi tão levada ao tribunal superior que este sedimentou seu entendimento por meio da súmula nº 581, a qual assim dispõe: “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.

Contudo, foi exatamente com o assentamento do referido entendimento que as discussões acabaram se revolvendo na validade ou não das inúmeras cláusulas de supressão de garantias que passaram a surgir junto aos planos de recuperação, exatamente a fim de escusar os coobrigados, muitas vezes sócios da própria empresa em recuperação judicial, das execuções individuais.

A discussão acerca das cláusulas de supressão de garantias.

No que concerne a matérias das cláusulas que previam a supressão de garantias junto aos planos de recuperação judicial e, em especial a amplitude de aplicação da referida cláusula, as discussões têm sido inúmeras.

A Lei nº 11.101/05 traz em seu artigo 50, § 1º a seguinte redação: “na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”.

Assim, sob tal fundamento, as divergências se formaram acerca da necessidade de assentir expressamente o credor, ou não, acerca de eventual cláusula que suprimisse a garantia junto ao plano de recuperação judicial.

Isto em especial pois, um dos princípios basilares dos procedimentos recuperacionais é a soberania do ato assemblear, em que a assembleia geral de credores (AGC) tem total autonomia para discussão acerca de seus créditos e inclusive acerca dos termos a que a dívida será novada por meio do plano de recuperação judicial.

Acerca da questão o Prof. Sacramone[1] inclusive dispõe o seguinte:

Diante da atribuição legal aos credores para aferir a viabilidade econômica do plano de recuperação judicial, a Assembleia Geral dos Credores é autônoma. A consideração pelos credores sobre a viabilidade econômica da empresa e a aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial não poderão sofrer alterações pelo Juízo. Ao Judiciário não é dado intervir no mérito do plano de recuperação judicial ou alterar a deliberação dos credores. O Judiciário apenas conduz a relação jurídica processual que permitirá ao devedor negociar com os seus credores a melhor alternativa para superarem, juntos, a crise que acomete o devedor.

Assim, a soberania da AGC ganhou papel substancial na discussão acerca das garantias dos contratos, isto porque os planos de recuperação judicial começaram a trazer à baila a questão da supressão das garantias com a novação da dívida, em que rogavam inclusive a aplicação de todos os credores, como tem por cerne o referido ato assemblear.

Acerca da referida matéria, houve ainda a discussão a respeito da possibilidade ou não de intervenção do Poder Judiciário nos casos em que havia cláusula expressa de supressão das garantias junto aos planos de recuperacionais. Assim, tendo em vista as mais variadas discussões acerca da questão as matérias acerca das garantias acabaram chegando novamente ao Superior Tribunal de Justiça.

Ante as inúmeras discussões sobre o tema nos mais diversos tribunais, o STJ acabou afetando o julgamento da matéria por meio sistema de julgamentos repetitivos com o do REsp 1.333.349/SP, no qual assim assentou o entendimento:

Inexistindo manifestação do titular do crédito com inequívoco ânimo de novar em relação às garantias, não se mostra possível afastar a expressa previsão legal de que a novação não se estende aos coobrigados (artigo 49, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005). De fato, nos termos do artigo 361 do Código Civil, a novação não se presume, dependendo da constatação do inequívoco animus novandi.

Neste mesmo sentido ainda, o REsp nº 2.059.464 julgado em 14/11/2023, discorreu que mesmo que não ocorra a supressão da garantia, mas exista apenas cláusula no plano que preveja a suspensão das garantias até o fim da recuperação judicial, de igual modo será necessária a expressa concordância do credor para sua validade.

Considerações Finais

Desta feita, tem-se que o entendimento legislativo e jurisprudencial se coadune acerca da possibilidade de prosseguimento das execuções individuais em face dos tidos como coobrigados, ainda que isso possa vir a culminar em um risco de duplo adimplemento do crédito, já que tal pode ocorrer junto a recuperação judicial e por meio do devedor coobrigado. Contudo, o que se coadune é que apenas tal pagamento deverá ser equalizado por meio de cálculo matemático caso ocorra.

Contudo, já no que diz respeito à validade da cláusula de supressão e/ou suspensão das garantias, às quais vêm sendo rotineiramente aprovadas junto aos planos de recuperação judicial, tem-se que o entendimento do STJ já é sedimentado acerca de sua validade legal, não havendo de se falar em ilegalidade ou possibilidade de intervenção judicial neste sentido, no entanto, tal apenas é aplicável aos credores que votarem favorável ao plano sem ressalvas em relação a referida cláusula.

*Dedierre Gonçalves Silva é coordenador do núcleo de Direito Privado do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD), advogado atuante na área de insolvência empresarial junto ao escritório Aluízio Ramos Advogados e pós-graduado em Recuperação de Empresas e Falências pela PUC-PR. 

[1] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 569.