20% dos casos atendidos pela Defensoria em audiências de custódia em Goiânia são de furtos para alimentação

Levantamento da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) identificou que dos 125 casos atendidos em audiências de custódia realizadas de segunda a sexta-feira em Goiânia pela instituição, 22 eram de prisões em flagrantes por furto famélico. Esse tipo de crime é cometido com o propósito de permitir a alimentação. Esse número corresponde a 20% das audiências de custódia atendidas pela DPE-GO no período de julho a outubro de 2021. Todas as pessoas envolvidas já estão em liberdade. Não estão inclusas as audiências de custódia ocorridas nos finais de semana (plantão).

O primeiro contato que os envolvidos têm com a Defensoria Pública acontece nas audiências de custódia. Nesse primeiro diálogo, a DPE realiza a defesa da pessoa que se encontra presa e toda orientação jurídica sobre o que acontecerá depois desse encontro. A Defensoria Pública integra o sistema de justiça e atua na promoção dos direitos humanos e na defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos.

“Quando casos como esse chegam ao Poder Judiciário, devemos esperar uma maior sensibilidade dos atores do sistema de justiça, para que enxerguem que não há nessas pessoas a chamada periculosidade, mas uma necessidade humana de sobrevivência”, sustenta o defensor público Luiz Henrique Silva Almeida, titular da 4ª Defensoria Pública Especializada Criminal da Capital.

Apesar de o Superior Tribunal Federal (STF) entender que casos como esses devam ser arquivados, ainda não existe uma norma obrigatória no Brasil para o arquivamento de crimes em que é observado o princípio da insignificância, quando o valor do furto é tão baixo que não causa prejuízo à vítima.

“A primeira questão é perceber que esse tipo de conduta não traz um problema de segurança, mas um problema social”, explica Almeida. “Não é o Direito Penal o meio adequado para tratar a questão. O direito à alimentação é previsto na Constituição e fica claro que o Estado falhou na sua missão”.

Para o defensor público Leonardo Stutz, titular da 1ª Defensoria Pública Especializada Criminal da Capital, a punição judicial deveria ser o último recurso adotado a essas pessoas. Stutz diz que as medidas punitivas não solucionam o problema e defende que a prisão dessas pessoas não trará benefícios, para a sociedade ou para o indivíduo.

Insegurança alimentar

O nível de insegurança alimentar grave da população brasileira nunca esteve tão alta desde 2004, quando 9,5% da população conviviam com a fome diariamente. O levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), no último trimestre de 2020, apontou que 9% da população atingiram o estado de insegurança alimentar grave, equivalendo a 19,1 milhões de brasileiros.

De acordo com o relatório O Vírus da Fome se Multiplica, da Oxfam Brasil (Comitê de Oxford para Alívio da Fome), o percentual de brasileiros que vivem em extrema pobreza quase triplicou, desde o início da pandemia, subindo de 4,5% para 12,8%. No final de 2020, 116 milhões de brasileiros enfrentavam algum nível de insegurança alimentar.

Pobreza em Goiás

Luiz Henrique Silva Almeida alerta que os casos de furtos famélicos estão crescendo, não só em Goiânia, mas em todo o Brasil. No mês de outubro, em Goiânia, o preço da cesta básica chegou a R$ 538,61, quase metade do salário mínimo (R$ 1.100,00).

“Não há dúvidas de que é crescente o empobrecimento da população, o que leva as pessoas a praticarem esse tipo de conduta, por completa necessidade”, informa Almeida. “Temos visto pessoas revirando lixo, comprando ossos para ter o que comer”.

Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado no mês de agosto, de cada 100 goianos, 24 vivem com até R$ 450,00 por mês. Valor que não paga nem uma cesta básica. O Estado é o quinto onde a pobreza mais cresceu no período entre novembro de 2019 e janeiro de 2021.

Nos casos registrados pela DPE-GO, a maioria dos furtos realizados foram de carnes. Constam na lista, também, produtos de higiene pessoal, utensílios para cozinha, chocolates e outros alimentos. Fonte: DPE-GO