Uso de vídeos como prova em julgamentos está aquém do que deveria, mostra estudo

Apesar da circulação cada vez maior de vídeos de violações a direitos humanos, principalmente as cometidas por policiais, o uso dessas imagens como prova em julgamentos nos tribunais brasileiros ainda está aquém do que deveria.

Essa é a principal conclusão do estudo Vídeo Como Prova Jurídica para Defesa dos Direitos Humanos no Brasil, feito pela Artigo 19 e pela ONG Witness. A pesquisa foi lançada nesta quinta-feira (10/12), para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

O material pretende avaliar o quanto as imagens têm influenciado nas decisões judiciais no Brasil sobre casos envolvendo violações de direitos humanos — em uma época de proliferação intensa de câmeras na sociedade.

Para balizar o estudo, foram analisadas leis, publicações jurídicas e decisões do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A constatação é que juízes, desembargadores e ministros pouco se aprofundam na análise, mesmo que o vídeo seja a prova principal do processo. A comunidade jurídica, de forma geral, também não se debruçou sobre a questão.

Apesar disso, diversos casos provam que, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, o vídeo vem se mostrando uma arma poderosa para expor a verdade e desmentir versões oficiais, como as recorrentes alegações de “auto de resistência” ou “legítima defesa” quando alguém morre em confronto com a polícia brasileira.
Carro de polícia arrasta Cláudia Ferreira, que foi colocada no porta-malas para ser socorrida. Ela chegou ao hospital sem vida.

Nesse sentido, o estudo traz uma análise em detalhes de sete processos judiciais nos quais as imagens de um ou mais vídeos tiveram papel preponderante para o desfecho. Entre eles estão o caso da Favela Naval, ocorrido em 1997, em Diadema (SP), que levou à prisão de um policial, e o de Cláudia Ferreira, filmada sendo arrastada presa a uma viatura no Rio de Janeiro e que resultou em reparação financeira à família pelo governo estadual.

A advogada da Artigo 19 Camila Marques aponta para o potencial do vídeo como forma de impactar os julgamentos e criar jurisprudência em casos de violações a direitos humanos. “Ainda que a pesquisa tenha mostrado que falta reconhecimento formal por parte de magistrados em relação ao vídeo como prova jurídica, claramente verificamos um número expressivo de casos em que, se não fosse o vídeo, o desfecho seria outro. Isso certamente aponta uma tendência, sobretudo em uma sociedade em que mais e mais cidadãos lançam uso de câmeras de celulares para registrar violações.”

Já Priscila Neri, da Witness, afirma que em muitos casos o vídeo é a única forma para se romper com a impunidade. “Quando as vítimas de violência pelas mãos do Estado são pobres, negras e moradoras da periferia, em muitos casos o vídeo tem servido como a única esperança para que os processos por justiça funcionem como deveriam. Vídeos vêm conseguindo desafiar e romper nossa enraizada cultura de impunidade e arquivamento de inquéritos. No entanto, ainda há muito a melhorar: alguns vídeos acabam atrapalhando mais do que ajudando (quando expõem testemunhas em perigo, por exemplo), e outros não conseguem alcançar seu pleno potencial de gerar mudanças concretas. Assim, o potencial ainda é bastante inexplorado, mas ainda mais promissor.”

Ausência de parâmetros
Com base nos casos analisados, o estudo conclui que não há parâmetros e padrões conhecidos que tenham sido estabelecidos pelo Poder Judiciário para a análise dos vídeos. Isso pode causar tantos reflexos positivos quanto negativos, explicam os autores.

Como ponto positivo, afirmam que é importante que o Poder Judiciário não se debruce demasiadamente na busca por critérios e padrões para o uso do vídeo e muito menos que estabeleça critérios de admissibilidade. “Quanto mais abertas as possibilidades de seu uso, mais potencial ele terá para ser um instrumento democrático, permitindo que todo cidadão com uma câmera seja uma pessoa apta a colher provas para a proteção dos direitos humanos.”

Por outro lado, a falta de padrões gera uma insegurança jurídica. E é justamente essa falta de critérios que não permite à pessoa antever o resultado de uma ação e adaptar, assim, sua conduta. “Em outras palavras, se sabemos quais critérios o juiz avalia quando analisa um vídeo como prova em um processo, podemos adaptar e aprimorar as técnicas para filmar ou mesmo a estratégia para utilizar o vídeo. Em contrapartida, se não conhecemos os critérios, não temos parâmetros para nossa atuação e ficamos a mercê do entendimento de cada juiz sobre o uso do vídeo como prova, daí a insegurança jurídica.”

Guia para defensores e ativistas
Para auxiliar defensores e videoativistas interessados em utilizar imagens como prova em seu processo, o estudo explica como funcionam as provas nos processos penal e civil. Além disso, o documento traz um miniguia sobre como filmar, armazenar e divulgar os vídeos de modo a obter melhores resultados e de forma mais segura.