Wanessa Rodrigues
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) para reconhecer que doação não se presume, deve ser provada por quem alega, mesmo quando o dinheiro é entregue a alguém da família. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do STJ condenou o ex-genro de uma mulher a restituir a quantia R$ 45 mil que foi emprestada a ele. Os ministros seguiram voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi.
Conforme consta nos autos, a mulher ajuizou ação de ressarcimento em novembro de 2012, sob a alegação de que o valor em questão foi repassado ao ex-genro a título de empréstimo, quando ele ainda era casado com sua filha. Em sua defesa, ele alegou que a quantia foi dada como doação. O TJGO negou o pedido sob o fundamento não foi comprovada a realização do empréstimo, mantendo sentença dada em primeiro grau.
Em seu recurso, a mulher, representada pelo advogado Marcelo Terto e Silva, asseverou que doação é contrato formal, admitindo-se a doação verbal apenas quando seguida da tradição e se o objeto for bem móvel e de pequeno valor, relativamente ao patrimônio do doador. Além disso, que foi o recorrido quem alegou a existência de doação como fato impediditvo/modificativo do direito da autora/recorrente. Assim, cabia a ele o ônus da prova da realização do referido negócio jurídico.
Ao analisar o caso, a ministra explicou que tal o contexto, sobressai, de um lado, a conclusão de que cabia à recorrente comprovar que transferiu o dinheiro ao recorrido, sob a obrigação de posterior restituição, por ser fato constitutivo do seu direito. Ao recorrido, de outro lado, cabia demonstrar que a entrega do dinheiro consubstanciava, na verdade, uma doação, um ato gratuito de mera liberalidade, por ser fato impeditivo do direito da recorrente.
A primeira conclusão que se pode extrair é a de que o homem não se desincumbiu do ônus de provar que o depósito da quantia de R$ 45 mil feito pela mulher na sua conta corrente – fato, inclusive, que foi por ele confirmado – deu-se a título de doação, por mera liberalidade.
Isso porque, quando se trata de doação, justamente por encerrar disposição gratuita e permanente do patrimônio, o contrato deve ser sempre interpretado restritivamente (art. 114 do CC/02). Inclusive para preservar o mínimo existencial do doador, evitando-lhe prejuízos decorrentes de seu ato de generosidade.
Essa interpretação restritiva recai, em especial, sobre o elemento subjetivo do negócio – a intenção do doador de transferir determinado bem ou vantagem para outrem, sem qualquer contraprestação. O espírito de liberalidade – porquanto o elemento objetivo, que é a respectiva transferência, consubstancia-se na simples tradição ou registro, a depender da natureza móvel ou imóvel do bem doado.
Daí se justifica o contrato de doação ser, por essência, solene, exigindo a lei, para sua validade, que seja celebrado por escritura pública ou instrumento particular, salvo quando tiver por objeto bens móveis e de pequeno valor. E, no particular, a par de não haver qualquer documento que ateste expressamente o ato de liberalidade, não se pode considerar como de pequeno valor, para que se dispense a solenidade, a quantia de R$ 45 mil.
“Nesse contexto, por faltar a prova de elemento essencial, o negócio jurídico celebrado entre sogra e genro não pode ser qualificado, segundo o fez o TJGO, como uma doação, desconsiderando a formalidade exigida por lei”, completou.
Recurso Especial Nº 1.758.912 – GO (2017/0062715-0)