O Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou, nesta quinta-feira (13/3), o julgamento do Tema 1.198 (REsp 2.021.665/MS), que tratava da possibilidade de o magistrado solicitar documentação complementar para instruir a petição inicial, nos casos em que se identifique o que se convencionou denominar “litigância abusiva”.
A tese aprovada pelo colegiado define que essa caracterização deve ser considerada uma exceção, e não uma regra, sendo necessária fundamentação específica por parte do juiz que a aplicar. Além disso, o entendimento deve observar a razoabilidade no caso concreto e respeitar as normas legais relativas à distribuição do ônus da prova.
A decisão acolheu diversos pontos defendidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reforçando a segurança jurídica tanto para a advocacia quanto para os jurisdicionados. Um dos principais aspectos garantidos é a vedação à extinção automática de ações judiciais, assegurando ao advogado a possibilidade de corrigir eventuais falhas na petição inicial, por meio de emenda.
Para o Conselho Federal da OAB, o desfecho do julgamento representa um avanço significativo em relação à proposta inicial, ao buscar equilíbrio entre o combate à litigância abusiva e a garantia de acesso à Justiça, especialmente em contextos que, por sua natureza, envolvem um volume expressivo de processos.
“O STJ afastou a exigência de renovação de procurações, reconheceu a legitimidade das ações ajuizadas em escala e reafirmou que toda medida judicial deve ser devidamente fundamentada e proporcional. Além disso, reforçou a prerrogativa exclusiva da OAB para investigar e aplicar sanções em casos de eventual abuso por parte da advocacia. A entidade continuará vigilante quanto à aplicação da tese, de modo a impedir restrições indevidas ao exercício profissional e aos direitos dos jurisdicionados”, afirmou o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti.
Entre os pontos defendidos pela Ordem e incorporados ao julgamento, destacam-se:
-Garantia de que o juiz não poderá extinguir a ação judicial automaticamente, sem oportunizar a correção de falhas documentais na petição inicial;
-Supressão do termo “litigância predatória”, considerado inadequado e discriminatório;
Rejeição da exigência de renovação de procurações ou de procurações com validade determinada;
-Reconhecimento da legitimidade das ações ajuizadas em grande número quando a lesão é coletiva, sem presunções automáticas de abuso por parte dos advogados;
-Resguardo das regras legais de distribuição e inversão do ônus da prova, desde que comprovada a existência da relação jurídica discutida;
-Confirmação da observância dos critérios legais para identificação de demandas fraudulentas ou de má-fé;
-Manutenção da competência exclusiva da OAB para apuração e sanção de eventuais condutas abusivas na advocacia.
O relator da matéria, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que, embora a litigância de massa imponha novos desafios ao Judiciário, trata-se de manifestação legítima do direito de ação, assegurado constitucionalmente.
Contudo, pontuou que, em algumas regiões do país, há registro de um número excessivo de ações desprovidas de fundamentos, marcadas por práticas profissionais reprováveis, que passaram a ser rotuladas como “litigância predatória” — expressão que, segundo o ministro, não se coaduna com os princípios constitucionais, sobretudo o artigo 133 da Constituição Federal.
O ministro Humberto Martins, por sua vez, apresentou voto-vista contrário à aplicação do poder geral de cautela para exigir ajustes na petição inicial que não estejam previstos em lei, reiterando a necessidade de respeito à regra de distribuição do ônus probatório. Seu entendimento levou a um novo pedido de vista pelo ministro Luiz Felipe Salomão.
Na sessão desta quinta-feira, Salomão apresentou tese em linha com a do relator, admitindo possíveis restrições ao direito de ação. Contudo, tais restrições foram afastadas por voto oral do presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, que propôs uma harmonização entre os votos de Martins e Ribeiro. O presidente destacou que a análise da vulnerabilidade do autor deve prevalecer, cabendo à parte ré a produção da prova documental, conforme a lógica processual. Além disso, reforçou que o número de ações ajuizadas, por si só, não configura abuso, devendo ser considerada a natureza específica da demanda.
Acesso à Justiça deve ser garantido
A OAB enfatiza que a quantidade de ações propostas por um mesmo advogado não pode ser utilizada isoladamente como critério para caracterização de abuso no uso do sistema judicial. Cada caso deve ser analisado individualmente, a fim de evitar prejuízos à população, especialmente aos cidadãos em situação de maior vulnerabilidade, que dependem da atuação profissional da advocacia para acessar seus direitos.