STF reconhece repercussão geral sobre compartilhamento de dados entre Coaf, MP e polícia

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A pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral de processo que busca estabelecer, de forma clara, os parâmetros para o compartilhamento direto de relatórios de inteligência financeira (RIF) entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o Ministério Público e a polícia.

O MPF defende que o Supremo reconheça que a troca de dados pode ocorrer independentemente da instauração de inquérito policial, desde que existam outros tipos de procedimentos investigativos em curso, como a notícia de fato, a notícia-crime em verificação e a verificação preliminar de informação.

O STF já declarou a validade do compartilhamento direto, sem prévia autorização judicial, de RIFs entre polícia, MP e Coaf. De acordo com a tese fixada pelo Plenário no Tema 990, a troca de dados pode ocorrer tanto de ofício quanto a pedido do MP e da polícia, desde que devidamente documentada em procedimento formal. O envio dos relatórios deve ser feito por meio de comunicação oficial e sigilosa, com indicação expressa do procedimento ao qual se refere. O objetivo da medida é manter registros relativos ao destinatário dos dados e viabilizar a apuração e a correção de eventuais desvios ou abusos.

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem dando interpretação restritiva à tese numa série de decisões recentes, por considerar que o compartilhamento não pode ocorrer a pedido do MP ou da polícia ou por entender que é necessária a instauração prévia de inquérito policial para embasar a solicitação. Com isso, investigações regulares são trancadas e provas, anuladas, com prejuízo para o combate a crimes como lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas. O Supremo já derrubou várias determinações do STJ nesse sentido, mas as decisões valem apenas para os respectivos casos concretos. Agora, com a repercussão geral reconhecida (Tema 1404), o Plenário Virtual vai estabelecer um entendimento definitivo a respeito do assunto e orientar futuras decisões do Judiciário na temática.

Caso concreto

O recurso extraordinário trata da Operação Sangue Impuro, que apurava um esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por meio da importação irregular de cavalos em Campinas (SP). Após delação premiada firmada por um dos envolvidos e de uma série de indícios, o MPF pediu à Polícia Federal a instauração de inquérito contra um dos integrantes do esquema e solicitou ao Coaf o relatório de movimentação financeira desse investigado. Embora a requisição de inquérito policial tenha sido feita com bastante antecedência, o procedimento só foi formalmente aberto pela polícia 22 dias depois do pedido de dados ao Coaf. Por esse motivo, o STJ trancou a investigação e anulou todas as provas obtidas a partir dos relatórios.

Na manifestação ao Supremo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, destaca que condicionar a requisição de dados à instauração prévia de inquérito policial limita, de forma indevida, os poderes investigatórios do Ministério Público. Se esse entendimento prevalecer, pode interferir na validade de provas de inúmeros processos criminais, com graves impactos no combate à criminalidade organizada pelo Estado brasileiro.

O procurador-geral destaca que, ao cogitar que a expressão “procedimento formalmente instaurado” corresponde apenas ao inquérito policial, o STJ ultrapassou os limites da decisão tomada pelo STF no Tema 990. Há uma série de outros procedimentos formais de investigação – como a notícia de fato e a notícia-crime – que atendem ao requisito estabelecido pela Suprema Corte de documentar os pedidos, assegurando que eles sejam embasados em investigação prévia e evitando a chamada pesca probatória (busca indiscriminada por provas, sem objetivo específico ou justificativa plausível).

Gonet assinalou também que, ao julgar o Tema 990, o próprio STF ressaltou a importância do intercâmbio de informações para o combate à criminalidade organizada e à corrupção, sobretudo em relação aos crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. (MPF)

RE 1.537.165/SP