Seguradora que exigia conhecimento de Direito Penal pelo segurado é condenada a cumprir apólice e indenizar furto de veículo

Wanessa Rodrigues

O advogado Oto Lima Neto representou  o autor

A seguradora Azul terá de cumprir apólice de seguro e indenizar um segurado que foi vítima de furto após tentar vender seu veículo. A empresa havia negado o pagamento sob a alegação de que o caso é de estelionato mediante fraude, modalidade de sinistro não coberta pela apólice. Porém, em sua decisão, o juiz Átila Naves Amaral, da 11ª Vara Cível de Goiânia, esclareceu que as seguradoras têm dever de informar os consumidores, de forma clara, sobre as limitações à cobertura do seguro. A simples menção a tipos penais – furto, roubo, apropriação indébita, estelionato – não é suficiente para excluir riscos que estão naturalmente compreendidos nos eventos de perda do bem segurado por força da ação criminosa de terceiros.

Conforme consta na ação, o consumidor era proprietário de um Hyndai HB 20, coberto por apólice de seguro com vigência entre setembro de 2015 a setembro de 2016. Ele relata que, após decidir vender o veículo, recebeu contato por meio de do aplicativo WhatsApp de um suposto comprador, que se identificou como Júnior. Ao encontrar com a esposa do segurado, pediu para dar uma volta no quarteirão, a fim de testar o carro, o que foi permitido. Após cerca de 30 minutos, ligações e mensagens solicitando o retorno, o suposto comprador justificou que estaria em uma oficina analisando o carro e o levaria de volta em breve, o que não aconteceu.

Dentro do automóvel estavam o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV, dois controles remotos e duas chaves. Na mesma data do ocorrido, o Autor e sua esposa, após acionarem a Polícia Militar e, posteriormente, registraram o Boletim de Ocorrência. O segurado também formalizou aviso de sinistro e forneceu todos os documentos requisitados, inclusive a integral quitação das multas do veículo, mesmo aquelas havidas após o furto. Porém a seguradora negou o pagamento da cobertura securitária sob a alegação de ter constatado irregularidade na ocorrência.

Decisão é do juiz Átila Naves do Amaral

Assim como em juízo, a seguradora Azul informou que o contrato de seguro, em sua cláusula 10, elenca situações excluídas de coberturas, sendo uma delas furto, estelionato, apropriação indébita ou extorsão que tenha ocorrido mediante fraude. Para a seguradora, no caso em questão ocorreu estelionato, considerando o modo que o criminosos se apresentou a condutora do veículo segurado e a enganou mediante fraude, de maneira ardil, com intuito de obter vantagem ilícita. Assim, diz ser perfeitamente aplicável a referida cláusula contratual a, que estabelece se tratar o dano reclamado de prejuízo não indenizável pela cobertura de automóvel.

Informações
O advogado Oto Lima Neto, que representou o segurado na ação, observa que, ao firmar contato com o consumidor, a seguradora não prestou informação de forma adequada e suficientemente clara sobre os seus produtos e serviços. O segurado recebeu parte do contrato apenas após o ocorrido. “Nesse contexto, ainda que tivesse tido ciência da integralidade dos termos securitários, depreende-se que é totalmente abusiva a disposição de cláusulas confusas e contraditórias que exigem conhecimentos técnicos em matéria de direito criminal muito além do que se pode esperar ou exigir do homem médio”, salienta o advogado, assegurando que a seguradora não pode exigir esse tipo de conhecimento do jurídico dos clientes.

Oto Lima Neto diz, ainda, que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, parte reconhecidamente hipossuficiente na relação de consumo, justamente com vistas a buscar mais equilíbrio entre as partes.

Ao analisar o caso, o magistrado disse as seguradoras têm dever de informar os consumidores, de forma clara e adequada, sobre as limitações à cobertura do seguro de sorte que simples menção a tipos penais – furto, roubo, apropriação indébita, estelionato – não é suficiente para excluir riscos que estão naturalmente compreendidos nos eventos de perda do bem segurado por força da ação criminosa de terceiros.

Expectativa
 O magistrado salienta que a expectativa de quem celebra um contrato de seguro é a de estar resguardado quanto a perda do bem segurado devido o comportamento doloso ou culposo de terceiros. “É justamente a partir dessa premissa que não pode ser admitida a exclusão baseada em simples definição legal de ilícitos penais incapazes de proporcionar ao consumidor o indispensável discernimento a respeito dos riscos excluídos da proteção securitária”, observa Átila Naves Amaral.

O magistrado ressalta, ainda, que a seguradora não apresentou qualquer documento que ateste que o consumidor foi esclarecido ou mesmo cientificado de cada termo da contratação, especialmente acerca dos riscos não cobertos na apólice. Além disso, não informou ao segurado a diferenciação terminológica entre os delitos de furto, roubo, apropriação indébita e estelionato, para fins de exclusão de responsabilidade civil nestes dois últimos casos (apropriação indébita e estelionato). “Por lealdade e boa-fé contratuais deve ser reconhecida a obrigação de a seguradora indenizar o sinistro de perda do bem por apropriação indébita”.