Sancionada lei que estipula protocolo para remoções de famílias de imóveis em Goiânia

A proposta para criação do Protocolo Unificado para Remoções no Município de Goiânia, elaborada pela Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), junto ao Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD), foi sancionada parcialmente pelo prefeito de Goiânia, na última terça-feira (29/11). A Lei nº 10.856, de 29 de novembro de 2022, garante a atuação prévia da DPE-GO nos processos administrativos de remoção, assegurando as tratativas junto ao Poder Executivo para a promoção de soluções pacíficas, bem como a criação de um Comitê de Resolução de Conflitos Fundiários. Em decorrência do veto a quatro artigos que definiam a proteção dos direitos humanos nas desocupações, a Defensoria continuará a dialogar junto ao Legislativo a fim de garantir a reinclusão desses itens.

“Em que pese os respeitosos fundamentos apresentados pelo prefeito municipal, seguiremos com diálogo republicano na expectativa de derrubada dos vetos relativamente aos artigos 5º, 7º, 8ª e 9º, da Lei Municipal nº 10.856/2022, certos de que conferem mínimo espectro de proteção aos direitos humanos, sem se esvaziar o legítimo Poder de Polícia conferido ao Município nas remoções”, adianta o subdefensor público-geral Tiago Gregório.

O Protocolo Unificado define regras para a realização de remoções de famílias e pessoas de imóveis, terrenos ou locais públicos e privados decorrentes de reintegração ou imissão na posse (instrumento jurídico que se utiliza para dar posse a um novo proprietário, que nunca teve posse de um imóvel), desapropriação, desocupação de áreas de risco, despejo ou qualquer outra medida judicial ou administrativa que conte com a participação do Município de Goiânia.

Além disso, o Protocolo Unificado de Remoções orientará a atuação estatal no cumprimento de ordens de remoção, garantindo os direitos previstos na Constituição Federal à população afetada. A atuação do Poder Executivo deverá ser orientada à solução pacífica e definitiva dos conflitos, prevalecendo a garantia de permanência dos grupos em situação de vulnerabilidade nas áreas em que vivem, ocupam e reivindicam, garantindo sua segurança e dignidade.

O que muda

Antes da execução das atividades de remoção, o órgão responsável pela atuação deverá se reunir com a comunidade envolvida, a Defensoria Pública, o Ministério Público e com as secretarias com atribuição na área de habitação, regularização fundiária e assistência social.

“É extremamente relevante a aprovação da Lei Municipal nº 10.856/2022, que cria o Protocolo Unificado para Remoções no Município de Goiânia, primeiro, porque é editada a partir de amplo diálogo da Câmara Municipal de Goiânia com Defensoria Pública do Estado de Goiás, compreendendo-se a amplitude democrática de sua opinião técnica; segundo, por reconhecer, antes dos atos executórios para remoções, na linha do que recentemente decidido pelo STF na ADPF nº 828, a necessidade de reuniões prévias com Defensoria Pública, a comunidade envolvida e outros órgãos”, avalia o subdefensor público-geral.

Caso de remoção de ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos, a nova lei determina que o Município de Goiânia deverá adotar as providências previstas no artigo 3º-B da Lei Federal nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010, para a redução de riscos.

Proposta

Em novembro de 2021, iniciou o diálogo sobre o tema entre o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos, Comitê Dom Tomás Balduíno e a Defensoria Pública, por meio de seus Núcleo Especializado de Direitos Humanos e Núcleo de Defensorias Públicas Especializadas de Atendimento Inicial da Capital. O foco era pensar em soluções para a retomada das desocupações pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que vinha sendo prorrogada desde 2021. Em março a DPE-GO, MTD e Comitê concluíram a elaboração da minuta do projeto de lei, que foi apresentado ao mandato coletivo do vereador Mauro Rubem.

Entre os principais pontos estava a possibilidade de atuação da Defensoria e do Ministério Público nos processos administrativos de remoção, como já ocorria nos procedimentos judiciais, mas não tinha previsão legal para procedimentos administrativos. Em segundo, a questão voltada para a assistência social ativa, que visava a inclusão das famílias em programas socioassistenciais e habitacionais existentes à época da promoção da remoção, para que as pessoas não fossem simplesmente desalojadas e tivessem que encontrar por conta própria um novo abrigo. E o terceiro ponto era a mediação e a conciliação como medida norteadora da atuação do Município em remoções nas áreas públicas ou em sua participação nas áreas privadas, com a possibilidade de criação de um comitê para resolução dos conflitos fundiários, algo, até então, inexistente.

“Embora a parte dos itens previstos para a área social tenha sido vetada, ficou resguardado um artigo que é muito importante, que é o que prima pela manutenção das famílias nas áreas ocupadas, visando a regularização fundiária e não, simplesmente, a remoção. Nesse sentido, o projeto foi uma conquista. Não é o que os movimentos sociais esperavam no começo do projeto, mas ainda existe margem para discutir os vetos e a Defensoria Pública vai continuar debatendo com os vereadores, justificando a necessidade da derrubada dos vetos que tratam da parte social, independente dos avanços conquistados”, explica o defensor público Gustavo Alves de Jesus.

Vetos

A proposta de PL elaborada pela Defensoria Pública e o Movimento de Trabalhadores por Direitos também trazia dispositivos para garantir a segurança e defesa dos direitos humanos às famílias residentes em ocupações. “A promoção dos direitos humanos e de acesso à ordem jurídica e social justa às pessoas e coletividades vulneráveis, a cargo da Defensoria Pública, não se dá apenas em juízo, mas extrajudicialmente, e de forma muito relevante, também no diálogo interinstitucional para edição de atos legislativos. Para a superação das desigualdades sociais, emerge a possibilidade e a necessidade da atuação institucional do Estado Defensor também no debate legislativo, permitindo a expressão dos indivíduos e grupos vulneráveis, viabilizando a ampla participação democrática na formação das leis”, pontua Gregório.

Na sanção da lei, o Município de Goiânia vetou os artigos 5º, 7º, 8º e 9º alegando que os mesmos interferiam “de maneira direta no âmbito da gestão administrativa que cabe ao chefe do Poder Executivo, criando e impondo obrigações, e até despesas ao ente público municipal, padecendo, portanto, de vício de inconstitucionalidade pela inobservância ao princípio constitucional da harmonia e separação dos Poderes”.

O artigo 5º previa que as remoções de famílias e pessoas de locais privados que contem com a participação do Município de Goiânia só ocorreria por decisão judicial, ressalvadas as remoções amigáveis.

O artigo 7º determinava que as remoções só seriam realizadas em dias úteis, das 6 às 20 horas, quando presentes as condições climáticas adequadas. O artigo 8º garantia a preservação dos bens móveis das famílias e pessoas removidas, cabendo-lhes indenização em caso de danos e perdas comprovadas, além da proteção aos animais domésticos e das hortas ou plantações.

E de acordo com o artigo 9º, as ações de remoções seriam precedidas de medidas que garantissem o atendimento habitacional e social das famílias, incluindo medidas de emergenciais até que fossem encaminhadas para moradias de programas habitacionais. Este artigo também determinava o cadastro específico de todas as pessoas removidas para garantir ações sociais e econômicas durante o processo de realocação e readequação. Fonte: DPE-GO