Retenção das benfeitorias: o direito de colher o que se plantou

O advogado Francisco Haick Mallard Fonseca, atuante na área do Direito Agrário e do Agronegócio no escritório GMPR Advogados, é que assina o texto da coluna desta sexta-feira. Ele escreve sobre a rentenção de benefeitorias, em casos envolvendo litígios judiciais, como reintegração de posse, adjudicações e até mesmo partilha de bens.

Francisco Haick Mallard Fonseca

Leia a íntegra do texto:

Em litígios judiciais que envolvam imóveis — tais como reintegrações de posse, adjudicações e até mesmo partilhas — é comum que o sujeito obrigado a desocupar se depare com uma situação tão delicada quanto a própria perda do imóvel: a destinação incerta de tudo que foi construído.

Na iminência de ir por água abaixo estão as edificações, cercas, instalações elétricas, poços, currais, galpões, sistemas de irrigação — tudo realizado com investimento próprio, ao longo de anos.

Diante do  sentimento de frustração e impotência, o ordenamento jurídico brasileiro, contudo, oferece uma resposta: o direito de indenização pelas benfeitorias erigidas.

Neste cenário, o desafio já não é manter a posse ou a propriedade do bem — e sim evitar sair de mãos vazias, a fim de salvaguardar valor investido com suor e trabalho ao longo do tempo. Trata-se de um direito reconhecido ao possuidor de boa-fé que realizou benfeitorias necessárias ou úteis no imóvel ocupado.

Fato é que embora previsto em lei, este direito não se opera de forma automática. É necessário que seu pleito seja bem instruído, corretamente fundamentado e, sobretudo, invocado no momento certo.

Não basta informar a realização de benfeitorias. É necessário demonstrar, com robustez, a origem legítima da ocupação, a ausência de oposição do proprietário, a efetiva realização das benfeitorias, dentre outros pontos.

Embora a lei admita a presunção de boa-fé na posse, no contexto da retenção essa presunção exige um cuidado especial: ela precisa ser sustentada por provas claras, quer sejam documentos, fotografias, notas fiscais, orçamentos, cronogramas de obra, testemunhos, e até mesmo laudos periciais.

Nesta esteira, aspecto essencial é o momento de reivindicar o pleito indenizatório. Eis aqui o grande erro que impossibilita a efetivação do direito na grande maioria dos casos.

O direito de retenção deve ser alegado de forma expressa e tempestiva, na contestação, nos embargos à execução, ou, sobretudo, imediatamente após a ciência da decisão que determinou a desocupação.

A atuação estratégica exige que a parte formule pedido claro de retenção, fundamente juridicamente o pleito, bem como requeira desde logo a produção de prova documental e pericial. Nesse contexto, a atuação de perito de confiança do juiz é decisiva para a fixação do valor das benfeitorias e para a comprovação técnica da existência, funcionalidade e utilidade dos investimentos realizados.

Além disso, é possível ao possuidor de boa-fé requerer judicialmente a sua permanência no imóvel até o efetivo ressarcimento pelos valores investidos. Por meio da concessão de medida liminar, a desocupação do bem pelo sujeito desapropriado é suspensa até o devido pagamento das indenizações – mecanismo que protege não apenas o patrimônio do possuidor, mas também assegura o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.

Neste toar, o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento do REsp 2.156.451, firmou entendimento no sentido de que o direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias não autoriza, por si só, o exercício do direito de retenção após a desocupação do imóvel.

Destacou-se na decisão que o direito de retenção exige a posse atual do bem, não sendo admitido, nem pelo Código Civil nem pelo Estatuto da Terra, que o antigo possuidor, já desalojado, retome a posse como forma de garantir o recebimento da indenização. Em síntese, não se admite a reintegração de posse com a finalidade exclusiva de assegurar crédito indenizatório.

Seja por decreto expropriatório da União, demarcação de terras indígenas ou mesmo a destinação do imóvel para fins de regularização fundiária, o direito de retenção deve ser exercido à fim de que se possa garantir a justa indenização correspondente às benfeitorias erigidas antes da imissão do novo possuidor.

Para quem se encontre na iminência de enfrentar o problema exposto, entender o momento certo e a forma técnica de exercer o seu direito representa a possibilidade de não sair com as mãos vazias. O adequado exercício do direito de retenção de benfeitorias é ferramenta legítima que assegura ao possuidor de boa-fé o reconhecimento de seu esforço, investimento e trabalho, evitando que toda uma história construída sobre o imóvel seja simplesmente apagada sem qualquer compensação.