Impactos da LGPD no agronegócio

Quais os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no agronegócio. Confira abaixo alguns pontos importantes sobre o tema, levantados em entrevista à Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Onde entra a LGPD no agronegócio?

O agronegócio de alto rendimento, caracterizado pelo emprego de alta tecnologia e elevada produtividade, passou por mudanças significativas nos últimos anos. Ao lado dos avanços tecnológicos, os aspectos relacionados à governança, gestão e sustentabilidade ganharam verdadeiro destaque. Entre os mais recentes desafios está a adequação do setor à gestão ética, segura e transparente de dados pessoais: a chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro de 2020.

A cadeia do agro guarda verdadeira singularidade: diversos atores, nacionais e estrangeiros, pessoas físicas e jurídicas, interligados por uma série de negócios jurídicos, com o objeto de produzir, comercializar e distribuir alimentos e produtos em escala global. Por essa característica de multiplicidade de players e diversidade de negócios, sem dúvida, uma enorme coleta e armazenamento de dados ocorre naturalmente durante toda a cadeia, denominada como big data farm.

É justamente na gestão dessa enorme quantidade de dados coletados por agroindústrias e produtores que entra a importância da LGPD na cadeia do agronegócio.

Quais são os dados monitorados e onde/com quem estão os dados sensíveis?

A LGPD visa dar maior proteção e segurança aos dados pessoais sensíveis, assim considerados os dados pessoais sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

Aplicando-se esses conceitos às informações coletadas na cadeia do agronegócio, diversos são os exemplos de dados a serem monitorados: a coleta de dados pessoais de produtores  rurais por instituições bancárias, a fim de construir o score do produtor e o histórico de transações, que poderá afetar o acesso e a disponibilidade de crédito rural; a coleta e o armazenamento de dados pessoais de agricultores por revendas de defensivos agrícolas e multinacionais para alimentar banco de dados, construir o perfil e histórico de consumo de insumos agrícolas; além da enorme base de dados de colaboradores e fornecedores de uma agroindústria.

Até mesmo um produtor rural, pessoa física, além de poder figurar como titular de dados, também está sujeito aos regramentos da LGPD ao, por exemplo, coletar e armazenar dados dos seus colaboradores e fornecedores.

Quais os riscos que as empresas do agronegócio (se possível citar os setores) correm ao não se preocupar com a LGPD?

Ao desconsiderar os preceitos e determinações da LGPD, o risco assumido pelos atores da cadeia é alto e pode gerar enormes prejuízos para a operação. Isso porque as agroindústrias, tradings, revendedores de insumos e até mesmo produtores rurais poderão sofrer sanções, como multas, em razão do vazamento de dados, que podem alcançar até 2% do faturamento da empresa e são cumulativas e a cada vazamento.

Quem deve fazer a gestão desses dados e porque há dificuldade do setor em se adequar?

O desafio da implantação da LGPD no agronegócio começa pelo baixo índice de adequação dos players da cadeia. Apesar do tratamento direto e constante de dados sensíveis e da manutenção destes em inúmeros bancos de dados, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), apenas 31% das empresas do agronegócio estão em conformidade com as exigências da nova legislação.

Para uma gestão adequada desses dados, o primeiro passo, sem dúvida, é o mapeamento de riscos e a implantação de planos de adequação compatíveis com o modelo de negócio de produtores rurais e de empresas do setor. Esses planos devem ser elaborados em sintonia com o perfil de cada atividade, avaliando-se os principais pontos sensíveis e respeitando-se sempre a especificidade de cada atividade.

Como a advocacia pode ajudar o produtor ou empresário da área e qual a abordagem para chegar até ele?

Aos colegas militantes no agronegócio, minha sugestão é estarem atentos às mudanças no setor. O agronegócio está se modernizando em uma velocidade surpreendente, e os avanços tecnológicos também serão acompanhados de uma gestão mais profissional do negócio. Estar ciente dessas mudanças poderá colocar os profissionais mais bem preparados em posição de destaque.

Levar informação de qualidade para o campo é o primeiro desafio e o ponto de partida. Posteriormente, os advogados poderão atuar na elaboração e implantação de programas de adequação à LGPD, começando pelo due diligence, e até mesmo auxiliar a criação de departamentos internos para que as empresas possam se adequar e permanecer monitorando os dados sensíveis coletados.

As políticas de governança e transparência — inclusive com a coleta e tratamento de dados pessoais de clientes, colaboradores e fornecedores — irão se tornar um diferencial competitivo de mercado, obrigando empresas e produtores a se adequarem o quanto antes.