“Pejotização” liberada? Entenda o que está em jogo para o trabalhador brasileiro

A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, de suspender todos os processos que discutem a pejotização na Justiça do Trabalho acende um alerta para o futuro das relações laborais no Brasil. Na coluna desta quinta-feira (24), a advogada Rithelly Eunilia Cabral analisa os possíveis impactos dessa medida, que poderá redefinir a competência da Justiça do Trabalho, a legalidade dos contratos de pessoa jurídica e o ônus da prova nesses casos. O julgamento pode significar uma guinada na proteção histórica garantida pela CLT. A colega  é pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC de Minas Gerais.

Rithelly Eunilia Cabral

Leia a íntegra do texto:

Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomou uma decisão que promete impactar profundamente as relações de trabalho no Brasil. O ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos em trâmite na Justiça do Trabalho que discutem a chamada pejotização – quando empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (os “PJs”), em vez de empregados formais.

Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho teria desrespeitado entendimentos anteriores do próprio STF, fazendo com que eles atuassem como instância revisora de decisões de primeira instância, devido ao aumento dessas demandas que estão chegando ao STF, algo que foge da sua competência. Essa decisão acontece no contexto de um recurso com repercussão geral, ou seja, o que for decidido servirá como regra para todos os casos semelhantes no país.

Três pontos centrais estão em jogo:

-A competência da Justiça do Trabalho para julgar esses casos;
-A legalidade dos contratos PJs;
-De quem será a inversão do ônus da prova.

Se o STF entender que esses vínculos devem ser julgados pela Justiça Comum, e não mais pela Trabalhista, o trabalhador corre o risco de perder direitos históricos garantidos pela CLT: como o FGTS, seguro-desemprego, licença maternidade, contribuição ao INSS. A ausência dessas garantias compromete não só o presente, mas o futuro – especialmente a aposentadoria.

Na prática, muitos PJs vivem a rotina de um empregado CLT: horário fixo, subordinação, exclusividade. Só não têm o reconhecimento formal, ficando desprotegidos diante de abusos, assédio ou condições insalubres. A Justiça do Trabalho tem, justamente, o papel de olhar para a realidade vivida – e não apenas para o que está escrito no contrato.

Outro ponto delicado é a inversão do ônus da prova. Quem deve demonstrar se há vínculo ou não? Se a responsabilidade recair sobre o trabalhador, o acesso à justiça será ainda mais difícil, favorecendo empresas que adotam esse modelo contratual com o objetivo de reduzir encargos trabalhistas.

Estamos diante de um possível retrocesso social. Em vez de ampliarmos a proteção ao trabalho, podemos estar desmontando a principal trincheira de defesa dos trabalhadores no Brasil. Precisamos acompanhar de perto o desdobramento desse julgamento. O que está em jogo é muito mais do que a forma de contratação – é a própria concepção de trabalho digno em uma sociedade democrática.