O advogado Sebastião Barbosa Gomes Neto escreve, na coluna Rota Trabalhista desta quinta-feira (11), sobre o ônus da prova na relação de trabalho doméstico, citando recentes decisões dos tribunais brasileiros.
Sebastião Neto é graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG. Contato: sebastiao@sebastiaogomesneto.adv.br e www.sebastiaogomesneto.adv.br

Leia a íntegra do texto:
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu[i] manter a improcedência do pedido de horas extras de uma empregada doméstica que não comprovou a jornada alegada na reclamação trabalhista e requeria que o empregador apresentasse folhas de ponto. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) confirmou a sentença que julgou improcedente o pedido, porque a trabalhadora não havia comprovado o cumprimento da jornada alegada.
O Ministro Relator Alexandre Luiz Ramos entendeu que, de acordo com a Lei Complementar 150/2015, que regulamentou o direito dos empregados domésticos às horas extras, é obrigatório o registro do horário de trabalho. Contudo, a seu ver, a norma não pode ser interpretada de forma isolada. Ele considera que a lei foi um grande avanço para a categoria, que, por muito tempo, não teve os direitos garantidos às demais. Ocorre que a CLT, ao tratar da jornada de trabalho (artigo 74, parágrafo 2º), exige a anotação da hora de entrada e de saída apenas para estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores.
Nessa circunstância, o entendimento foi de que “aplicar a presunção relativa pela simples ausência dos controles de frequência contraria os princípios da boa fé, da verossimilhança e da primazia da realidade”. Assim, a decisão foi unânime em manter a improcedência do pedido de horas extras da empregada doméstica.
Por outro lado, a Lei Complementar n. 150/15 estabelece que é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. Isso é fundamental, pois, em sua maioria, os trabalhadores domésticos atuam sozinhos, sem nenhuma outra pessoa para testemunhar sua jornada de trabalho.
E isso não apenas nos casos de trabalhadores domésticos comuns em residências, mas também em outras formas de trabalho doméstico, como babás, caseiros, cozinheiros, jardineiros etc..
O Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado e a Professora Gabriela Neves Delgado tratam sobre o trabalho doméstico elucidando o seguinte:
“a Lei Complementar n. 150, publicada em 02 de junho de 2015, tornou obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico, por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. O objetivo da lei é que haja um registro do controle, por qualquer meio idôneo, para aferição do cumprimento da jornada de trabalho. O ideal é que esse registro seja feito pelo próprio empregado, de maneira a atestar o cumprimento da jornada real de trabalho e a existência das horas extras, caso ocorram. Nessa medida, considera-se idôneo, em princípio, o controle, pelo próprio empregado, dos horários de trabalho realizados, com a referência escrita às horas extras indicadas. Naturalmente que caberia ao empregador vistoriar esses controles, verificando se, de fato, estão sendo corretamente lançados pelo trabalhador
Naturalmente que não se desconhece que se trata de uma profunda mudança de paradigma – para um padrão mais civilizatório – nas relações de trabalho domésticas, exigindo, da comunidade jurídica, sensatez e ponderação no exame das situações concretas.[ii]
No caso específico do artigo 12 da Lei Complementar nº 150/2015, que estabelece a obrigatoriedade do registro do horário de trabalho do empregado doméstico, o objetivo é garantir que esses trabalhadores tenham seus direitos trabalhistas respeitados, bem como evitar a exploração e o trabalho escravo.
O Desembargador Eugênio José Cesário Rosa, do TRT 18/GO, juntamente com os demais integrantes da 1ª Turma, decidiu que: “com o advento da LC n.º 150/2015, conforme seu art. 12, tornou-se obrigação do empregador doméstico manter o registro de horários do empregado, incumbindo-lhe o ônus da prova. A ausência de apresentação dessa prova implica em presunção relativa da jornada de trabalho alegada na inicial, podendo ser refutada por meio de prova produzida nos autos”.[iii]
Já no artigo “A prova da jornada do trabalhador doméstico à luz da EC 72/13”[iv], de autoria do Juiz do Trabalho Mauro Schiavi, discute-se a questão da prova da jornada de trabalho dos empregados domésticos à luz das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 72/13.
Segundo o autor, a prova da jornada de trabalho é essencial para garantir os direitos trabalhistas dos empregados, especialmente no caso dos empregados domésticos, que muitas vezes trabalham em condições informais e sem a devida documentação. Com a EC 72/13, que equiparou os direitos trabalhistas dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, tornou-se ainda mais importante a comprovação da jornada de trabalho.
O autor ressalta que, em geral, o empregador doméstico tem melhores condições de produzir prova em juízo, como documentar a jornada de trabalho por meio da criação de um livro de ponto. O artigo 74 da CLT obriga a criação de um livro de ponto para os empregadores domésticos que possuem mais de vinte empregados. É importante destacar que, além de garantir os direitos dos empregados, a documentação da jornada de trabalho também é uma forma de proteger o empregador contra possíveis ações trabalhistas.
No entanto, para os empregadores domésticos que possuem menos de 20 empregados, há três possibilidades para a prova da jornada de trabalho. A primeira é aplicar as regras de distribuição do ônus da prova previstas nos artigos 818 da CLT e 333 do CPC. A segunda é utilizar a teoria da inversão do ônus da prova, em que o ônus da prova da jornada cabe ao empregador. E a terceira é aplicar a teoria do ônus dinâmico da prova, em que o ônus da prova da jornada cumpre ao empregador doméstico.
Uma outra forma que se apresenta possível ao empregado doméstico para se resguardar e obter futuramente a prova de sua jornada é a utilização de geolocalização. Em recente artigo publicado em site jurídico, o advogado André Simoni e Gusmão, que é especialista em “compliance”, segurança da informação e proteção de dados, esclareceu o seguinte:
Se por um lado o empregador tem uma possibilidade muito mais ampla para a produção de provas, sem a necessidade de interferir na privacidade dos empregados; por outro, ao empregado cabe apenas uma possibilidade reduzida, podendo abrir mão de sua intimidade e ceder os dados de geolocalização[v].
Isso significa que o trabalhador precisaria abrir mão de sua privacidade, expondo informações pessoais nos autos, a fim de comprovar as horas extras trabalhadas.
Em conclusão, a comprovação da jornada de trabalho é um assunto crucial para assegurar os direitos dos trabalhadores domésticos, e cabe ao empregador adotar medidas para registrar a jornada de trabalho de seus empregados, sob pena de sofrer punições trabalhistas.
[i] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo Ag-AIRR-1196-93.2017.5.10.0102, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/02/2023
[ii] O novo manual do trabalho doméstico. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 114.
[iii] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Processo (ROPS-0010830-32.2021.5.18.0141, RELATOR: DESEMBARGADOR EUGÊNIO JOSÉ CESÁRIO ROSA, 1ª Turma, Publicado o acórdão em 26/04/2022).
[iv] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/77920/2014_schiavi_mauro_prova_jornada.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em 5 mai. 2023
[v] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mai-02/andre-simoni-direito-trabalho-geolocalizacao-privacidade Acesso em acesso em 5 mai. 2023