O monitoramento dos empregados em teletrabalho pelo empregador

Na coluna desta quarta-feira (13), a advogada Bruna de Sá Araújo escreve sobre o monitoramento dos empregados em teletrabalho pelo empregador. Ela é especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IPOG e pela Universidade Federal de Goiás, pós-graduada em Direito Previdenciário pela Fasam.

Leia a íntegra do texto abaixo:

Bruna de Sá Araújo

Segundo redação do art. 6º da CLT, “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Desta forma, ainda que o trabalho não seja desenvolvido nas dependências da empresa, persiste ao empregador o seu direito de exercer os poderes empregatícios que lhe são inerentes.

Coaduna com este entendimento o parágrafo único do art. 6º, da CLT, que assim dispõe “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. À vista dessa orientação legal, o poder diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar também podem ser exercidos através de e-mails, telefonemas, mensagens, e demais meios em que se utilize a tecnologia.

Um levantamento feito pela empresa Networks Unlimited (especializada em monitoramento de sistemas) com uma companhia americana de 120 empregados mostrou que os funcionários passaram, em um ano, 2.400 horas em sites de esportes e de compras, isso sem falar em 250 horas gastas com sites pornográficos. Além disto, existe na internet milhares de sites e ferramentas que, se utilizados de maneira incorreta, são grandes geradores de perda de produtividade. Webmails, Youtube, sites de relacionamento e muitos outros podem se transformar em grandes causadores de prejuízos para as empresas, tanto pelas horas não trabalhadas, como também pelos problemas de segurança da informação que acarretam.

Por tais motivos é natural que o empregador, detentor da prerrogativa diretiva, ele mesmo ou seus encarregados (gerentes, chefes, supervisores, coordenadores) avalie a regularidade, qualidade e quantidade da prestação dos serviços dos seus empregados em teletrabalho. Contudo, importantes problemáticas surgem das colisões entre direitos fundamentais, uma vez que alguns empregadores nem sempre reconhecem a utilização de sistemas de fiscalização eletrônica como controle da atuação laboral.

Não obstante todas as controvérsias que envolvem o uso de algumas tecnologias de vigilância e de monitoramento, há que se utilizar tais meios com razoabilidade, proporcionalidade e bom senso, para que os empregados não se sintam violados em sua intimidade ou vida privada. A solução nesses casos é alcançada mediante a avaliação do direito fundamental que merece maior proteção no caso.

O doutrinador Luciano Martinez explica que a maior proteção é oferecida àquele direito que, dentro de uma escala comparativa de valores, ao menos num instante específico, revelou-se preponderante por força de fonte autônoma ou heterônoma permissiva e por conta de real necessidade.

Assim, por exemplo, um empregador, compelido por norma estatal de prevenção de crimes por meio virtual (cita-se, ilustrativamente, a pedofilia), estará autorizado a monitorar, desde que mediante prévia e pública informação de adoção desse procedimento, o trânsito de mensagens dos correios eletrônicos de seus empregados. Observe-se que, no caso sob exame, o direito à segurança, por força de lei, revela preponderância; a intimidade perde o destaque a partir do instante em que há prévia notificação do monitoramento e das sérias razões que o justificam.[1]

A confiança recíproca ainda norteia e sempre norteará as relações de trabalho, assim, ambas as partes têm que estar cientes de que os meios informáticos são ferramentas de trabalho e somente como tal poderão ser utilizados. Em que pese a presunção da boa-fé do trabalhador, o patrão, amparado pelos poderes empregatícios que lhe são inerentes, pode realizar um monitoramento ou fiscalização, a fim de verificar única e exclusivamente o cumprimento das obrigações e deveres laborais, comprovando que os instrumentos telemáticos postos à disposição dos trabalhadores pela empresa não estão sendo utilizados para fins extraempresariais.

Os direitos à privacidade e à intimidade nas relações e no ambiente laboral ganharam maior destaque com o avanço tecnológico, tendo em vista o poder diretivo do empregador ao conduzir a produção e fiscalizar seu empreendimento e os direitos fundamentais à privacidade e à intimidade do trabalhador e como podemos perceber ainda não há regramento mínimo que assegure o respeito aos direitos personalíssimos do trabalhador, o que há é o entendimento jurisprudencial de dispositivos constitucionais que protegem, de maneira ainda tímida, tais direitos.[2]

A hiperconectividade do empregado no home office deve ser vista com cautela, para que não atinja seus direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, ao lazer e ao descanso. A adaptação ao novo “normal” exige atenção de funcionários e empregadores, já que direitos e deveres devem estar em consonância para a manutenção da produtividade fora do local físico da empresa.

Essa conjuntura aumentou o debate acerca do direito à desconexão, garantindo ao emprego a prerrogativa de se desvincular virtualmente do trabalho após o fim da jornada diária, a fim de usufruir dos seus intervalos e períodos de descanso garantidos por lei.

É preciso entender que os poderes inerentes ao empregador possui limites, e o uso da tecnologia no ambiente de trabalho não tem o condão de ultrapassar tais divisas, ainda que o empregado possua cargo de gerência ou labore fora das dependências da empresa, realizando serviço externo ou trabalhando em casa.

Desta forma, diante de uma situação excepcional que ocorre no mundo e nas relações de trabalho, deve haver equilíbrio entre o poder diretivo do empregador e o direito à desconexão do empregado, baseado em proporcionalidade, razoabilidade e principalmente, bom senso de todos os envolvidos.

[1] MARTINEZ. Curso de Direito do Trabalho, p. 429-430.

[2] COSTA. O monitoramento do empregado por meios eletrônicos e o direito à privacidade do empregado do ambiente de trabalho, 2014.