A Justiça do Trabalho como instrumento no enfrentamento da discriminação de gênero

Na coluna desta terça-feira (25), o colega Fernando Paiva assina artigo em que explica como a Justiça do Trabalho pode ser instrumento no enfrentamento da discriminação de gênero. Ele é titular do escritório ALNPP Advogados.

Leia a íntegra do texto: 

A discriminação de gênero é uma problemática que persiste há décadas no mercado de trabalho. Mulheres são prejudicadas em suas carreiras profissionais com a falta de oportunidades, salários desiguais e assédio recorrente no ambiente laboral. Nesse contexto, a atuação da Justiça do Trabalho se mostra um instrumento para garantir a igualdade de gênero no mercado de trabalho e combater as práticas discriminatórias. 

Em recente fala, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Liana Chaib, afirmou: “se um homem e uma mulher exercem as mesmas funções, no mesmo local e com o mesmo grau de perfeição técnica e, no entanto, um deles é mais bem remunerado, estamos diante de um desvirtuamento inexplicável”.

Inobstante, as estatísticas da Justiça do Trabalho indicam que, somente em 2022, a discriminação no trabalho relacionada a equiparação salarial ou isonomia foi assunto em 36.889 processos ajuizados, e no mesmo ano, houve a criação do Grupo de Trabalho em Estudos de Gênero, Raça e Equidade, pelo TST e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT – Ato Conjunto nº85/TST.CSJT.GP), com o objetivo de propor políticas e programas institucionais voltados à promoção da equidade e ao enfrentamento das discriminações no âmbito da Justiça do Trabalho.

Sob este contexto, no dia 8 de março de 2023, o atual governo implementou o Ministério das Mulheres, celebrando o Dia Internacional das Mulheres com o anúncio de um conjunto de ações para a promoção da igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função.

A regulamentação da equiparação salarial se encontra no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O princípio da equiparação salarial estabelece que todo trabalho de igual valor deve receber uma remuneração equivalente, em conformidade com o princípio da igualdade.

À luz do dispositivo da CLT, a equiparação salarial é definida pela igualdade das funções desempenhadas pelos empregados. Isso significa que se um trabalhador exerce as mesmas atividades que outro, em condições de trabalho equivalentes, deve receber o mesmo salário. Todavia, é de pleno conhecimento que nem todo trabalhador possui o direito à equiparação salarial.

Com efeito, outros requisitos ainda são estabelecidos no artigo 461, §1º, da CLT, para que a equiparação seja configurada, explicitando que o trabalho de igual valor será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a dois anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.

Logo, não será possível pleitear a equiparação salarial quando a diferença de tempo de serviço prestado for superior a dois anos, bem como a diferença de tempo na função for superior a dois anos.

Recentemente, a 3ª Turma do TRT da 2ª Região manteve sentença da primeira instância que condenou uma companhia aérea a pagar uma indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00, a uma empregada que recebia 28% a menos do que os profissionais homens, que exerciam a mesma função. A relatora, desembargadora Mércia Tomazinho, definiu a postura da companhia aérea como “grave e discriminatória”.

Nos autos do processo, consta que os quatro empregados foram promovidos para a área de supervisão de controle operacional na mesma data, desempenhando funções no mesmo local, recebendo salários em torno de R$2.825,00. Após a promoção concedida, a remuneração da empregada aumentou para R$3.671,94, enquanto a dos outros três foi alterada para R$4.702,38.

Em análise do caso, deve ser enfatizado que houve um comprometimento duplo dos direitos da trabalhadora, porquanto verificou-se a ocorrência de duas violações distintas. A primeira se refere à evidente e manifesta discriminação de gênero praticada em desfavor da reclamante, pois foi colocada em posição desfavorável perante os demais colaboradores, por razões que extrapolam o mérito profissional, ao afirmarem que a reclamante era “mulher e solteira”, além de não ter “tantas despesas”, segundo a petição inicial.

A segunda violação, por sua vez, diz respeito à transgressão ao disposto no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, que prescreve a equiparação salarial entre trabalhadores que exercem a mesma função na empresa, independente do sexo, idade, raça, cor ou qualquer outra forma de discriminação.

Por outro lado, também consta nos autos do processo que a colaboradora teria virado motivo de piada entre os colegas, pois, uma vez que identificou a disparidade de salário e foi cobrar a chefia, foi informada de que havia ocorrido um erro no sistema, mas que não fariam qualquer alteração, uma vez que a empregada era mulher, solteira e não possuía tantas despesas – em comparação aos empregados homens.

Em sede dos depoimentos, a empresa declarou, por meio de sua representante, que desconhecia o fato narrado. De outra forma, a testemunha indicada pela reclamante afirma que “os salários pagos eram diferentes e que isso era motivo de chacota”, uma vez que os colegas diziam à profissional que ela ainda “era Júnior”, constrangendo-a por diversas vezes.

No que concerne ao âmbito da legislação vigente, constata-se que mais um ato discriminatório foi perpetrado em desfavor da empregada mulher em questão. Cumpre destacar que a Constituição Federal, por meio do seu artigo 7°, inciso XXX, proíbe a discriminação salarial em virtude do sexo, o que se justifica pela longa trajetória de disparidade remuneratória entre homens e mulheres, a qual tem sido objeto de constante enfrentamento por meio da presente norma legal.

A magistrada-relatora concluiu pela “violação ao patrimônio abstrato da trabalhadora”, sendo a empresa obrigada a indenizar a reclamante em R$10.000,00, uma vez que não conseguiram indicar qualquer motivo que justificasse a disparidade salarial.

O acórdão foi proferido em momento simbólico, no mês das mulheres, surgindo para reforçar a luta pela igualdade de gênero em diversos âmbitos, incluindo no trabalhista. Nesse contexto, a equiparação salarial é um direito fundamental que visa garantir a igualdade de remuneração entre trabalhadores que exercem a mesma função, independentemente de gênero (art.7º, CF), sendo uma medida que contribui para a valorização do trabalho feminino e para combate à desigualdade salarial de gênero no mercado de trabalho.

Torna-se imprescindível, portanto, que haja uma mobilização uníssona de toda a sociedade, composta pelos mais diversos setores e atores sociais, no intuito de promover uma transformação efetiva e duradoura na luta pela igualdade de gênero no mercado de trabalho.abril de 1993 até a presente data).