Rejeitada denúncia contra diarista que não provou ter sido estuprada. Para juíza, mesmo sem provas, palavra da vítima tem relevância

Wanessa Rodrigues

A juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, rejeitou denúncia contra uma diarista que afirma ter sido estuprada por um prestador de serviços da GVT durante visita técnica na residência em que trabalha. Ela foi acusada de suposta denúncia caluniosa por não ter conseguido provar a prática do crime sexual durante a fase investigatória. Porém, a magistrada disse que não foi comprovado que o investigado não praticou o delito e nem que a vítima lhe atribuiu falsamente a acusação.

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Juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, rejeitou a denúncia.

Conforme a magistrada, não se pode desconsiderar a palavra da vítima, ainda mais em crimes sexuais em que a palavra tem grande relevância, pois são praticados às escondidas. Além disso, que não se pode, diante da ausência do insucesso da investigação, partir de uma premissa equivocada que houve denunciação caluniosa. “Seria um precedente perigoso, pois sempre que uma investigação não apontasse a autoria de um delito, o denunciante poderia ser responsabilizado criminalmente por ter acionado os órgãos de segurança pública levantando suspeita sobre alguém”, diz Placidina.

Conforme consta na denúncia, no último mês de fevereiro, a mulher noticiou à autoridade policial o suposto estupro. Ela conta que, dois dias antes de procurar a delegacia, estava na residência em que trabalha quando o técnico chegou para prestar serviço de manutenção da internet. A diarista contou que o rapaz supostamente lhe obrigou, mediante grave ameaça, a praticar com ele conjunção carnal e ato libidinoso diverso (sexo oral).

Relatou, ainda, que se sentiu constrangida a praticar atos sexuais com o técnico, mas ele mandava que ela calasse a boca, sendo que ela ficou com medo de que ele utilizasse as chaves de fenda que trazia consigo para machucá-la. Exame de corpo de delito registrou que “os elementos do exame clínico são insuficientes para avaliar a ocorrência de conjunção carnal recente ou de outro ato libidinoso”.

Câmeras
O rapaz negou veementemente que tenha estuprado a diarista e aduziu que manteve relação sexual consentida com ela. Além disso, que após a prática sexual, ficou preocupado quanto à existência de câmeras no local.

A dona da casa onde teria ocorrido o fato disse, na delegacia, ter certeza que tudo é mentira, pois a diarista só teria relatado os possíveis abusos aproximadamente duas horas depois de o suposto autor do delito ter ido embora, talvez por receio do ato sexual ter sido registrado por câmeras de segurança. Outras testemunhas ouvidas disseram que, naquela data, a mulher estava bem, não aparentava ser vítima de estupro, e contou piadas após a saída do técnico.

Ação penal
A juíza explica que ação penal somente pode ser instaurada se houver lastro mínimo probatório (prova da materialidade e indícios de autoria), para que, desse modo, possam ser elucidadas todas as circunstâncias que envolvem o suposto evento delituoso. No caso sob análise, ela salienta que a exordial acusatória não oferece indícios suficientes a respeito da prática do delito em referência.

Para configuração do crime de denunciação caluniosa, conforme observa a magistrada, é exigido dolo específico, não sendo suficiente o dolo eventual. Assim, não basta que o agente impute a outrem a prática de um crime tendo dúvidas de ser, ou não, verdadeira a acusação, sendo imprescindível a certeza da falsidade de sua afirmação. “Ou seja, da inocência da pessoa contra qual a imputação é feita, o que não ocorreu no caso em tela”, diz.

Conforme a magistrada, o fato de a diarista ter demorado a levar o suposto estupro ao conhecimento de sua ex-patroa e da autoridade policial, por si só, não evidencia que esteja mentindo. Além disso, não há indícios de que ela queria incriminá-lo injustamente, imputando-lhe fato criminoso do qual sabia ser inocente. “Assim, o registro de boletim de ocorrência pela denunciada não pode ser considerado denunciação caluniosa. Não ficou provado que o rapaz não praticou o delito que lhe é imputado, e nem que a diarista lhe atribuiu falsamente a acusação”, completa.