Reeducandos participam de projeto de remição de pena pela leitura

O detento Igor Machado participa do Projeto Remição pela Leitura
O detento Igor Machado, condenado por homicídio e roubo,  participa do Projeto Remição pela Leitura

“O silêncio tem o valor supremo. Aprendi a preservar os instantes de compenetração nos períodos mais difíceis da minha vida. O silêncio começa por mim. Quando me calo, o espírito fala. O espírito ouve. Assim é possível conversar com Deus e ouvir a sua voz no mais profundo do nosso íntimo. Preservo a minha rotina nesses momentos sagrados em busca da intimidade espiritual”. Igor Machado parece ter se identificado com esse trecho retirado da biografia de Edir Macedo, Nada a Perder. Na solidão da cela, à noite, o livro é o melhor companheiro, conselheiro quem sabe…

“A gente vai pra outro mundo, a gente sai dessa área do presídio e vai para outro Estado, pra outro lugar…Muda quase tudo porque a gente deixa de pensar nas coisas ruins que a gente pensava antes, começa a ver o mundo diferente, começa a ter uma desenvoltura melhor na fala, até com a nossa família e com os amigos que a gente tem aqui. Um livro de autoajuda sempre é bom, acalma o coração da gente quando a gente tá angustiado”, comenta.

Atualmente, Igor cumpre pena na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), unidade do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Atrás das grades por homicídio e roubo, já se passaram 16 anos e ainda faltam mais quatro para progredir para o regime semiaberto, que ele não vê a hora de chegar. O leitor entusiasta é um dos reeducandos que participam do projeto Livros que Educam, de remição pela leitura, uma parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Seap) e a Vara de Execução Penal de Goiânia.

De acordo com o gerente de Educação, Módulo de Respeito e Patronato da Seap, Márcio Tadeu Brito Firmino, a iniciativa foi implantada em maio  deste ano seguindo os mesmos parâmetros do projeto adotado no Paraná, Estado pioneiro no País. Por enquanto, são atendidas três unidades do sistema prisional goiano: a Casa de Prisão Provisória (CPP), contemplando os presos que estão à espera de julgamento, a Penitenciária Odenir Guimarães, onde ficam os sentenciados, e o Núcleo de Custódia, que abriga os presos considerados de alta periculosidade.

A adesão é voluntária. Também é preciso saber ler e escrever. “É só ele ser alfabetizado e concordar com o termo de adesão ao programa. Duzentas e oito pessoas foram atendidas no primeiro ciclo. Na projetoleitura2segunda etapa, a expectativa é alcançar 350. Cerca de 90% dos que participaram do primeiro ciclo já aderiram à segunda fase”, diz. Cada ciclo dura um mês, o prazo que cada detento tem para ler a obra escolhida e, na sequência, é submetido a duas avaliações. A prova escrita que tem que ser formalizada para ser encaminhada ao juiz e a avaliação oral para gente saber que resultado trouxe aquela leitura para a vida dele”, explica. Os testes são aplicados por comissões internas de cada unidade.

Para cada livro lido, quatro dias a menos na pena

Para cada livro lido, quatro dias a menos na pena
Para cada livro lido, quatro dias a menos na pena

Os resultados são encaminhados a um juiz da Vara de Execução Penal que deverá conceder a remição da pena. Para cada livro, são reduzidos quatro dias na sentença. “Foi necessário que a gente criasse um mecanismo de acordo com a realidade do sistema e da população carcerária, para fazermos isso de uma forma sistemática e por isso, adotamos o ciclo de 30 dias para ele ter o prazo para a leitura. Então, a ideia dos ciclos é basicamente o que diz respeito às remições que já existem na Lei de Execução Penal (LEP). Por exemplo, cada três dias de trabalho resultam em um dia a menos na pena e, pelo estudo, nessa mesma proporção”, afirma Márcio.

A biblioteca que empresta os livros para os detentos que aderiram ao projeto conta com cerca de 1,5 mil títulos, todos doados, e funciona no Colégio Estadual Dona Lourdes Estivalete Teixeira,  no interior da POG, onde estudam aproximadamente 300 detentos nos ensinos fundamental e médio. No acervo, dicionários, enciclopédias, best sellers de autores como Jô Soares, entre outros. Os preferidos são os livros de autoajuda e obras clássicas da Literatura Nacional como Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Apesar de ainda recente, o projeto já rende bons frutos, conforme observado por Márcio na rotina do Complexo Prisional. “A gente consegue ver mudanças principalmente no Núcleo de Custódia que, para nós, é o presídio de segurança máxima. Lá, como essa questão das atividades de leitura até então não eram desenvolvidas, já notamos uma maior tranquilidade da população carcerária. É bom lembrar que todo preso tem a questão da ociosidade que pode gerar algum tipo de ansiedade e,posteriormente, alguma animosidade. Mas no caso da remição pela leitura essa pessoa está ocupando a mente com outras coisas e nota-se um clima de tranquilidade no comportamento de quem aderiu à iniciativa”, avalia.

Oportunidades
Mas a expectativa é proporcionar, a longo prazo, oportunidades melhores no futuro para os reeducandos que, um dia, serão reinseridos à sociedade. “O que a gente percebe é que o histórico da população carcerária, se formos analisar o perfil, a maioria deles não teve acesso à educação como deveria ter. Hoje temos um grande número de analfabetos e também de pessoas que não concluíram nem o Ensino Fundamental. Então, é uma oportunidade ainda que informal de retomar os estudos e conseguir melhorar o nível de conhecimento, ter uma capacidade autocrítica de reavaliar seus valores. Isso pode despertar nele motivação para outras atividades como cursos profissionalizantes. Ele vai estar um pouco mais qualificado para isso, até para oportunidades de trabalho, a sua própria capacidade de, vai melhorar. Enfim, tem uma série de fatores que terão um impacto positivo na vida dele”, pondera o gerente de Educação, Márcio Firmino.

A ideia é ampliar o projeto piloto para todo o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, atendendo também o regime semiaberto e o presídio feminino, além de unidades próximas de Goiânia.Em breve, a remição pela leitura deverá ser adotada em Anápolis e Luziânia e em dois anos, a previsão é de que ele seja aplicado em todo o Estado.  “O mais interessante é eles serem impactados de forma a reverem seus valores”, finaliza ele.

Remição

Juíza Telma Aparecida, da Vara de Execuções Penais
Juíza Telma Aparecida, da Vara de Execuções Penais

A juíza da 1ª Vara de Execução Penal de Goiânia, Telma Aparecida Alves, diz que o projeto segue normatização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que definiu a redução de quatro dias   na pena para cada livro lido. Ela explica que há três tipos de remições: estudo, trabalho e  leitura. “A remição representa muito ao final e diminui um período importantíssimo da pena, principalmente quando se está perto da progressão de regime. A leitura é um portal para ter conhecimento geral, ampliar seus horizontes, dar asas a sua imaginação… É um fator de relaxamento, tranquilidade. Fora a questão dessa bagagem cultural que ele passa a ter, o principal é tirar o ócio porque nós não temos trabalho para todo mundo. Já que não tem trabalho para todos, apesar de ter escola para todos, é mais uma fonte de opção para remição da pena”, avalia.

O projeto deve ser executado em todas as comarcas. Para isso é preciso que sejam montadas as bibliotecas no interior dos presídios para o empréstimo dos livros. “A orientação é que, não tendo a biblioteca, vamos procurar formar. Os próprios conselhos da comunidade, a gente faz festa, faz reunião, pede doação…São livros que as pessoas têm em casa, revistas, uma obra qualquer, diz.

Recomeço
“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Pelo pensamento de Paulo Freire, o projeto Livros que Educam pode ser a porta para um novo começo na sociedade. É o que Igor espera. “É muito bom pra gente porque vai remindo a pena em quatro dias por mês. No final, se torna muito. Para quem tá aqui dentro quatro dias é muita coisa. Quero sair, mudar e procurar não cometer os mesmos erros que cometi no passado. Seguir a vida como Deus permitir”, sonha. Fonte: Goias Agora