Postagem em redes sociais pode levar a demissão de trabalhadores? Especialistas tiram dúvidas sobre a relação do mundo virtual com o trabalho

Wanessa Rodrigues

As redes sociais estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas, físicas ou jurídicas, que interagem exibindo ideias, comportamentos, produtos e lugares. Neste contexto, surgem questionamentos relacionados às consequências do comportamento no mundo virtual, principalmente no que diz respeito a contratos de trabalho. Por exemplo: uma postagem em redes sociais pode levar a demissão de trabalhadores? O empregador pode vasculhar as redes sociais de seus trabalhadores? Especialistas ouvidos pelo Portal Rota Jurídica tiram dúvidas sobre o tema.

Advogado Edson Veras.

O advogado Edson Veras, especialista em Direito do Trabalho, observa que a CLT estabelece uma relação de condutas passíveis de penalidades, inclusive a justa causa (ver quadro no final da matéria). Se o um trabalhador praticar qualquer ato que possa ser tipificado como os previstos no artigo 482 da CLT, mesmo nas redes sociais, pode ser demitido por justa causa. Isso pode ocorrer quando um empregado estabelece comércio digital, nas redes sociais, em concorrência com o empregador, quando divulga algum segredo comercial da empresa ou quando ofende a honra e boa fama do patrão ou de colega de emprego, por exemplo.

Veras salienta que o mundo digital não é um mundo à parte e faz parte do mundo real. Portanto, toda conduta reprovável no mundo real também é reprovável no mundo digital. A ofensa à honra e boa fama do empregador, por exemplo, tanto na vida real, quando nas redes sociais é falta passível de penalidade que, dependendo da gravidade, pode implicar em dispensa por justa causa imediatamente. “Essa ofensa não pode ser praticada nem direta, nem indiretamente, pelo empregado. Assim, se um terceiro fizer uma publicação ofensiva e o empregado compartilhar, ou curtir, pode se entender estar ratificando aquela publicação”, explica.

Conforme explica Veras, o empregador pode deixar claro quais são as regras das empresa, até mesmo por meio de documento, para facilitar o enquadramento, ou não, da conduta do empregado naquelas previstas no artigo 482, da CLT. Mas, segundo o especialista, isso não é imprescindível, pois a própria CLT já define as condutas passíveis de penalidade, não se exigindo obrigatoriamente detalhamento do que na legislação já é possível encontrar.

Advogada Neliana Fraga.

A advogada Neliana Fraga, também especialista em Direito do Trabalho, observa que estipular, por meio de documentos as normas da empresa e dar ciência aos empregados, é fundamental para que o empregador possa embasar suas punições, especialmente se chegar a punição máxima que é a justa causa. O ideal é que, desde a contratação, o empregador passe orientações a respeito dos limites relacionados ao uso das redes sociais. Essa é uma maneira da empresa de esclarecer, dar segurança aos empregados, e garantir que o empregador esteja resguardado em suas decisões.

Punições
Neliana observa que o empregado poderá ser punido, tanto em razão de estar realizando postagens em redes sociais no horário de trabalho, quanto em razão do conteúdo postado. Ela cita como exemplo postagens que demonstrem negligência com as funções do colaborador, que causem algum tipo de prejuízo ou exponham negativamente o empregador, que revelem alguma prática ou apologia a ato criminoso, que demonstrem comportamento incompatível com a missão e valores sustentados pelo empregador, entre outros. “Uma vez identificada a atitude inadequada, ainda que seja de pequena gravidade, pode e deve o empregador advertir o empregado, prevenindo maiores repercussões”, diz.

Fiscalização
A advogada esclarece que, caso o empregador pretenda fiscalizar, por meio de monitoramento das ferramentas que disponibiliza aos empregados durante a jornada, o acesso a redes sociais ou até e-mails pessoais durante o horário de trabalho, comprovando com isso negligência às atividades laborais, essa condição deve constar do contrato.

Situação diferente é aquela de livre visualização do conteúdo postado pelo empregado em redes sociais, ou ainda o que é muito comum, o próprio empregado vincula o empregador em sua rede social, informando e marcando o local onde trabalha, e muitos utilizam a rede social de forma não restrita, onde o acesso ao empregador ou a qualquer pessoa é livre. Assim, segundo a especialista, nada impede que a empresa tenha acesso ao conteúdo, porém o uso das informações obtidas pelo empregador em tais redes, em nível de punição, é que precisa ser analisado.

Justa causa
Os especialistas concordam que as empresas podem aplicar a justa causa, desde que o fato revele gravidade tamanha a embasar a medida. Neliana, por exemplo, lembra que, se o empregado informar que está impossibilitado de comparecer ao trabalho em razão de atestado médico e, nos mesmos dias destinados a licença, realizar postagens praticando atividades de lazer em festas ou viagens, pode ser demitido. Além disso, postagens com conteúdo pornográfico ou racista; postagens que denigram a imagem da empresa, de algum superior hierárquico, colegas; revelar em redes sociais informações sigilosas do empregador; alguma postagem que tenha sido expressamente vetada por ocasião do contrato.

Cuidados
Mas quais são os cuidados que os empregados devem ter? O advogado Edson Veras diz que deve prevalecer o bom senso, entendendo que a rede social não é um mundo sem freio, sem lei e sem regras, mas a extensão do mundo real. “A lei é o limite tanto para a liberdade de expressão, quando para a penalidade que quem abusa desse direito”, ressalta.

Neliana concorda que o bom senso deve imperar, até mesmo se perguntar: “eu faria esse comentário se não estivesse atrás do computador?”. Segundo ela, o empregado não deve se esquecer das suas obrigações contratuais, nem deve fazer postagens que possam gerar danos ao empregador, ou que ofendam a imagem do mesmo ou de seus colegas de trabalho.

Para a advogada, quando se refere à liberdade de expressão, o limite primordial é aquele amparado pela Constituição. Ela ressalta que a liberdade de expressão é garantia constitucional e deve ser sempre preservada, todavia não pode ultrapassar outros direitos que também se encontram garantidos, como a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem. Essas garantias que também se estendem às empresas.

Jurisprudência
O uso inadequado das redes sociais relacionado às relações laborais é tema recorrente na Justiça do Trabalho. Segundo Neliana, a jurisprudência caminha no sentido de uma vez aplicada a punição, analisar se a mesma se trata de rigor excessivo e mero descontentamento do empregador e, nesse caso, a punição é revertida, ou se a atitude de fato fere o contrato de trabalho, atingindo, por exemplo, a imagem e a honra do empregador, trazendo prejuízos ao mesmo.
Confira o que diz o artigo 482 da CLT:

Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)