PL propõe endurecimento de regime de cumprimento de pena a reincidentes, e juristas veem retrocesso e inconstitucionalidade

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A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei nº 4556/2024, que visa impedir que condenados reincidentes no mesmo crime possam se beneficiar de regimes de cumprimento de pena mais brandos, como o semiaberto, o aberto ou mesmo a liberdade condicional. A proposta altera dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) e, segundo o autor, deputado Bibo Nunes (PL-RS), busca combater a reiteração criminosa com maior rigor punitivo.

Pedro Paulo de Medeiros

“A prática repetida do mesmo crime demonstra inequivocamente que houve a quebra de confiança em relação ao bom comportamento do apenado”, justificou o parlamentar. “A demonstração da reiteração criminosa pelo apenado demonstra que ele deve ter uma forma de punição mais rigorosa, não devendo ser admitida, em nenhuma hipótese, deixar o estabelecimento penal antes do cumprimento da pena.”

O texto ainda será analisado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Caso aprovado, seguirá para o Plenário da Câmara, antes de ser apreciado pelo Senado Federal.

Apesar do argumento de reforço à segurança pública, especialistas da área penal criticam duramente a proposta, apontando possíveis inconstitucionalidades e incompatibilidades com o sistema jurídico atual.

Críticas da comunidade jurídica

Para o criminalista e conselheiro federal por Goiás, Pedro Paulo de Medeiros, a proposta configura uma tentativa de populismo penal, uma vez que o ordenamento jurídico já prevê mecanismos para barrar benefícios a condenados reincidentes. “A legislação atual, especialmente a Lei de Execução Penal, já permite que o juiz da execução negue benefícios como a progressão de regime ou a liberdade condicional quando houver reincidência ou ausência de bom comportamento carcerário”, explicou.

Danilo Vasconcelos

Ele destaca que o artigo 112 da LEP exige mérito e bom comportamento como critérios para a progressão e que o §1º do mesmo artigo permite, inclusive, o uso de exame criminológico para embasar a decisão. “Criar uma vedação automática, sem juízo técnico do magistrado e sem considerar o caso concreto, enfraquece o princípio da individualização da pena e compromete a racionalidade do sistema”, avaliou.

Já o criminalista e professor universitário Danilo Vasconcelos chama atenção para a possível inconstitucionalidade da proposta, por ferir diretamente o princípio da individualização da pena, consagrado na Constituição Federal. Ele também aponta o risco de desproporcionalidades gritantes. “Uma pessoa condenada por dois furtos pode acabar cumprindo mais tempo de pena em regime fechado que outra que matou alguém. Ou alguém reincidente por receptação qualificada pode cumprir mais tempo que um estuprador de criança. Isso é desproporcional e incompatível com o sistema penal”, argumentou.

Vasconcelos lembra ainda que o legislador já promoveu um endurecimento das regras no Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019) e critica a ausência de delimitação temporal entre os crimes. “O projeto não especifica o intervalo entre um crime e outro, o que também não me parece adequado”, concluiu.

Roberto Serra da Silva Maia

O também professor universitário e criminalista Roberto Serra da Silva Maia foi ainda mais contundente, afirmando que o projeto afronta princípios constitucionais, como a legalidade penal estrita, a dignidade da pessoa humana e o caráter ressocializador da pena. “A proposta adota uma lógica punitivista que presume a irreformabilidade do condenado, desconsiderando a possibilidade de reabilitação — pilar do sistema penal brasileiro”, ressaltou.

Segundo ele, a exclusão automática de benefícios com base na reincidência específica representa um retrocesso jurídico, por afastar a análise concreta da conduta e tratar de forma uniforme situações distintas. “Viola-se, assim, a lógica da execução penal e agrava-se a crise carcerária, com evidente distanciamento das diretrizes de um Estado Democrático de Direito”, advertiu.

Caminho legislativo

Caso aprovado nas comissões temáticas, o texto seguirá para votação no Plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovado, ainda passará por análise no Senado Federal antes de possível sanção presidencial.

Enquanto isso, o debate se intensifica entre os que defendem um sistema penal mais rigoroso e os que enxergam na proposta uma ameaça ao equilíbrio constitucional e aos direitos fundamentais dos apenados.