PGR defende que provedores retirem conteúdos ofensivos após notificação motivada de vítimas

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Não cabe a provedor de internet fazer controle prévio do conteúdo que transita em seus servidores. Mas as empresas devem – nos casos ocorridos antes da vigência do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) – excluir mensagens ofensivas, independentemente de ordem judicial específica. O entendimento é do procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi explicitado em manifestação apresentada nesta segunda-feira (18) ao Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de um recurso extraordinário com repercussão geral. Com o julgamento, a Suprema Corte fixará tese acerca do tema. A origem do caso foi uma ação judicial apresentada por uma professora de Língua Portuguesa, de Minas Gerais. Ela foi vítima de mensagens e comentários ofensivos postados em uma comunidade virtual criada no Orkut, extinta rede social da Google.

No documento, o procurador-geral apresenta relato detalhado do caso concreto, incluindo a condenação da Google, em instâncias inferiores, ao pagamento de indenização de R$ 10 mil (valor que ainda terá de ser corrigido) bem como a exclusão das postagens ofensivas à professora (ordem cumprida pela empresa). Na tentativa de se livrar da condenação, a Google recorreu ao STF e, após ter o pedido negado, apresentou novo recurso alegando perda de objeto em função da aprovação do Marco Civil da Internet – que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de gestores de conteúdo.

Ao rebater as alegações, Augusto Aras lembra que os fatos, objeto da ação judicial, datam de 2009 e 2010, antes, portanto, da aprovação da Lei 12.965/2014. Segundo o parecer do PGR, o princípio da irretroatividade da lei impede a aplicação do Marco Civil da Internet ao caso concreto. Em relação ao mérito, Aras lembra que, no ambiente virtual, as pessoas se comportam ou deveriam se comportar como se estivessem se relacionando de modo presencial. No entanto, completa, assim como no mundo real, existem abusos e transgressões que podem gerar, desde desapontamentos sem consequências para a ordem jurídica, até graves violações de direitos subjetivos dos participantes dessas redes de relacionamento.

Para o procurador-geral, como o armazenamento e a manutenção dos dados dos usuários cabem aos provedores que têm domínio técnico e tecnológico da atividade, as empresas não podem ficar isentas de eventuais danos decorridos da prestação de serviço. “Logo, independentemente do gênero, classe social, inclinações políticas ou do meio profissional, a adesão ao serviço e a participação em massa das pessoas impedem que o provedor de hospedagem permaneça alheio ao conteúdo vertido em seus servidores pelos usuários”, pontua Augusto Aras em um dos trechos do documento, completando que dados ofensivos ou falsos que denigrem a reputação de usuários ou de terceiros, demandam resposta rápida e eficiente.

Risco de censura – Outro aspecto mencionado no parecer foi o direito à liberdade de expressão e de opinião dos usuários das redes sociais. Para o PGR, permitir que provedores façam a exclusão prévia de manifestações poderia redundar em clara censura à liberdade de pensamento e de expressão bem como no cerceamento unilateral de ideias ou críticas contrárias a certas pessoas ou posições políticas sem a necessária e idônea motivação. Na avaliação de Augusto Aras, é imprescindível que haja prévia e expressa comunicação do ofendido com as respectivas razões para a exclusão dos dados.

Ainda sobre o tema, Aras afirma que contemporizar com direitos fundamentais, sobretudo em tempos em que a tecnologia permite a fluidez da informação, revela grande perigo para a ordem constitucional. Ele lembra que o modo como as redes sociais se entrelaçaram na vida social criou enorme poder para seus respectivos gestores e que, por isso, “a permissão para a interferência há de limitar-se a proteger os direitos fundamentais de cada usuário e terceiro, além de sanar ilícitos pontuais gerados por informações equivocadas ou vexatórias, também geradas pelos usuários da respectiva rede social”.

Conforme o parecer, o tema já foi enfrentado pelo Judiciário nacional, com base na legislação infraconstitucional e não na Constituição, como ocorre neste caso. Ao defender a tese apresentada no documento, Augusto Aras cita jurisprudência interna (STJ) e entendimentos consolidados em cortes internacionais, no sentido de assegurar a responsabilidade dos provedores que se omitirem diante de notificação motivada de quem foi ofendido no ambiente virtual, ao mesmo tempo em que impedem atos de censura prévia. Um das decisões mencionadas no documento foi tomada em outubro de 2017 pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Na oportunidade, a Corte negou a pretensão de um candidato ao Conselho de Thanet, na Inglaterra, que teria sido vítima de comentários publicados em um blog. Ao se defender, a Google comprovou ter tomado providências após notificação da vítima. O parecer do procurador-geral da República foi encaminhado ao ministro Luiz Fux, relator do recurso extraordinário no STF.