Município tem de pagar por transporte escolar rural em rotas aumentadas sem formalização

A 2ª Vara Judicial de Piracanjuba condenou o município a indenizar a empresa WC Transporte Escolar Ltda por serviços de transporte escolar rural prestados em rotas que tiveram a quilometragem aumentada unilateralmente pelo município, mas sem a devida formalização contratual. A sentença reconheceu que, mesmo diante da ausência de um aditivo formal para o acréscimo de percurso, a prefeitura tem o dever de pagar pelos serviços efetivamente realizados, a fim de evitar o enriquecimento ilícito.

A juíza Leila Cristina Ferreira acatou a defesa apresentada pelos advogados Danilo Di Rezende Bernardes, Amim Kallouf Neto e Lara Alves de Lima. O caso teve origem em uma ação ajuizada pela empresa contra o município de Piracanjuba. A WC Transporte Escolar Ltda e a prefeitura haviam firmado contrato de prestação de serviços de transporte escolar de alunos da zona rural que estudam na rede pública municipal e estadual. O contrato previa, inicialmente, a execução da Rota Cachoeira, com 216 km diários, e da Rota José Marcelino, com 181 km diários.

“Todo prestador de serviço que contrata com os entes do Estado deve receber pelo trabalho executado. Nesse sentido, o ente federado é o responsável por garantir a lisura dos processos, e o prestador de serviço não pode ser prejudicado pela omissão da administração pública”, destacou a advogada Lara Alves de Lima.

Ao longo da execução contratual, aditivos foram firmados. O 3° termo aditivo, de 25 de abril de 2022, por exemplo, ampliou a Rota José Marcelino em 9 km diários, passando para 190 km/dia. Posteriormente, o 8º termo aditivo prorrogou a vigência do contrato até 4 de junho de 2024.

O cerne da disputa, no entanto, refere-se a novos acréscimos de quilometragem que ocorreram a partir de maio de 2023. Segundo a empresa, a Rota Cachoeira teve um acréscimo de 94 km/dia, atingindo 310 km/dia, enquanto a Rota José Marcelino teve um acréscimo de 36 km/dia, totalizando 226 km/dia1218. Esses acréscimos, motivados pelo surgimento de novos alunos ou mudança de residência de famílias na zona rural, que o município tinha a obrigação de transportar, não foram formalizados por meio de termo aditivo.

A empresa informou ter continuado a prestar os serviços nas rotas com a quilometragem aumentada durante os meses de maio, junho, agosto e setembro de 2023. Contudo, o município de Piracanjuba não efetuou o pagamento referente a esses meses na Rota Cachoeira e, para junho, agosto e setembro, na Rota José Marcelino. O valor total não recebido, calculado pela empresa com base na quilometragem aumentada e no custo por quilômetro estabelecido no contrato original (R$ 4,28 para Cachoeira e R$ 3,30 para José Marcelino), seria de R$ 139.582,20.

Em sua defesa, o município de Piracanjuba argumentou que, segundo a Lei 14.133/2021, poderia acrescer até 25% do valor inicial do contrato. Além disso, sustentou que, à luz do regime jurídico-administrativo e das Leis 8.666/1993 e 14.133/2021, qualquer alteração contratual deveria ser formalizada por escrito. Portanto, segundo o município, não haveria obrigação de pagar por serviços prestados fora do contrato e seus aditivos regulares. O município também questionou a ausência de documentos formais que comprovassem o aumento da quilometragem.

A Justiça, ao analisar o caso, reconheceu que a existência da relação contratual e a efetiva prestação dos serviços nos meses em questão eram fatos incontroversos. Embora a regra para contratações públicas seja a formalização por escrito (Lei 8.666/93) e contratos verbais com a administração pública sejam nulos, a decisão destacou que a lei prevê o dever de indenizar o contratado pelo que ele houver executado, mesmo em caso de nulidade, desde que não lhe seja imputável a causa da nulidade (Art. 59, parágrafo único, da Lei 8.666/93).

A sentença ressaltou que a administração pública não pode se valer da própria informalidade para se furtar à obrigação de pagar, sob pena de configurar enriquecimento sem causa. A decisão citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que corrobora esse entendimento, fundamentado nos princípios da boa-fé objetiva e da vedação ao enriquecimento indevido.

A alegação do município sobre a cláusula que permite acréscimos de até 25% também foi afastada como justificativa para não pagar. A Justiça entendeu que, mesmo com essa cláusula, o município não pode se escorar nela para se furtar à obrigação de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, especialmente quando o aumento das rotas decorreu de ato unilateral do próprio poder público, gerando direito subjetivo ao reestabelecimento desse equilíbrio para o contratado.

A decisão foi reforçada pela prova testemunhal. Testemunhas, incluindo um ex-assistente do Departamento de Transportes e o ex-secretário de Educação do município, confirmaram em juízo que houve aumento das rotas de transporte escolar devido à entrada de novos alunos na zona rural. Segundo eles, era prática comum a alteração do valor do contrato sem formalização. Eles também confirmaram que houve meses em que os prestadores de serviço ficaram sem receber, incluindo a empresa autora.

Diante das provas e da fundamentação jurídica, a Justiça julgou procedentes os pedidos iniciais. Foi reconhecida a ausência de pagamento pelo município e a efetiva prestação dos serviços pela empresa autora nos meses e rotas indicados. O Município de Piracanjuba foi condenado ao pagamento dos valores não pagos para evitar o enriquecimento ilícito.

De acordo com a decisão, o valor exato devido deverá ser apurado em uma fase posterior do processo, chamada liquidação de sentença, por procedimento comum. Nesta fase, será necessário determinar a efetiva extensão do percurso desenvolvido nos meses em questão para estabelecer o valor a ser pago pelo município, conforme o custo por quilômetro estabelecido no contrato.

O município foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, cujo valor também será fixado na fase de liquidação/cumprimento de sentença. A decisão não será submetida à remessa necessária, pois o proveito econômico não superará 100 salários mínimos.

Processo 5303557-87.2024.8.09.0123